sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

ÚLTIMOS MOMENTOS DA POLÍCIA DA CORTE


Às quinze horas do dia 15 de novembro de 1889, já proclamada

a República no Brasil, chegou ao prédio da

Chefatura de Polícia do Império na Rua dos Inválidos nº 78 a

80, o capitão do Exército Antônio Vicente do Espírito Santo

e recebido pelo conselheiro José Basson de Miranda Osório,

Chefe de Polícia da Corte, declarou-lhe:

“Em nome e de parte do Governo Provisório venho render a

Vossa Senhoria no lugar de Chefe de Polícia e declarar-lhe que

ele, Governo, é de paz e fraternidade, e conta com o concurso

de todos os bons cidadãos para a manutenção da ordem e

tranquilidade pública.”

Em resposta, declarou o Conselheiro: “os que me investiram

neste cargo já me mandaram dizer que não tinham

mais ordens a dar-me. Esperava aqui que me viessem render.

Portanto, retiro-me.”

         Proclamação da República - 15 de Novembro de 1889

Em seguida, despedindo-se dos servidores ali presentes

como delegados e médicos, o comandante da Guarda Cívica,

capitão Lírio (sucessora da Guarda Urbana), dirigiu-se para a

saída do prédio, acompanhado de Espírito Santo, Delegados

Auxiliares e outros servidores.

Após a saída do ex-Chefe de Polícia, os Delegados

Auxiliares pediram exoneração sendo parcialmente substituídos

por militares da confiança do novo Chefe. Foram nomeados,

em caráter interino, o major Cândido José de Siqueira

Campelo para 1º Delegado Auxiliar e o capitão Austreclino

Vilarim para a 3ª Delegacia Auxiliar.

Mais tarde chegou a notícia de invasão na Casa de

Detenção e coube a Espírito Santo as primeiras providências,

para lá enviando vinte praças comandadas por um alferes.

A ronda da cidade passou a ser feita por unidades do

Exército, sendo expedidas ordens para que “fosse executado

esse serviço com a maior calma e correção”. Praças do 7º

Batalhão de Infantaria foram mandadas para reforçar os efetivos

dos postos policiais (estações de polícia).1

No dia seguinte, 16 de novembro, assumiu o cargo de

primeiro Chefe de Polícia do governo republicano o bacharel

João Batista de Sampaio Ferraz, um prócer da propaganda

republicana.

Quanto ao último Chefe de Polícia da Corte, conselheiro

Miranda Osório, nasceu na cidade de Parnaíba, na então província

do Piauí, em 17 de novembro de 1836. Bacharelou-se

em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo, ingressou

na magistratura, a qual abandonou para dedicar-se à política.

Foi Deputado Provincial, Deputado Geral e Presidente

da Província da Paraíba. Dedicado ao governo monárquico,

nele reconhecia-se competência administrativa e vasta cultura,

motivos que contribuíram para a sua escolha para o espinhoso

cargo de Chefe de Polícia por ocasião da ascensão do

Visconde de Ouro Preto (Afonso Celso de Assis Figueiredo) à

Presidência do último gabinete ministerial do Império.

Em carta enviada a Ouro Preto, um mês depois da

Proclamação, reproduziu com riqueza de detalhes os acontecimentos

que precederam aquele dia e seu desempenho

no cargo que lhe foi confiado.2 Nesse relatório, demonstrou

o cuidado de colocar o governo a par do movimento militar

em andamento, desdobrando-se para manter entendimentos

com os chefes militares, o Ajudante Geral do Exército e Chefe

do Estado-Maior, Marechal Floriano Peixoto, o Ministro da

Guerra, Conselheiro Cândido de Oliveira e da Marinha,

Barão de Ladário. Dito trabalho, que se estendeu ao acompanhamento

da agitação republicana com alguma repercussão

nas ruas e movimentação no Clube Militar, contou com a colaboração

do 1º Delegado Auxiliar, dr. Bernardino Ferreira e

do 3º Delegado Auxiliar, dr. Brasil Silvado.

Apesar das tentativas do Marechal Floriano de desmentir

rumores e tentar acalmar o governo, tornou-se nítida a preparação

de um golpe militar diante dos levantamentos feitos

pela polícia e informados ao presidente do Conselho.

Basson mencionou as causas remotas que acabaram por

deflagrar o golpe como o descontentamento da classe militar,

que segundo Benjamin Constant vinha sendo vítima de injustiças

e injúrias da monarquia. Lembrou a célebre questão

militar, os fatos que envolveram a morte do jornalista Apulcro

de Castro, a insubordinação na Escola Militar da Praia

Vermelha. (A carta evitou comentar a influência da intensa

campanha republicana no movimento militar, de longa data

promovida por ilustres brasileiros, fortemente inspirada no

credo positivista em voga, base doutrinária do novo regime

e da Revolução.)

              Marechal Floriano Peixoto

Basson, ainda fiel à monarquia, concluiu a sua carta relatório

parecendo lamentar o alvorecer do novo regime, apontando

a inércia do governo monárquico diante da necessidade de se

defender, embora devidamente avisado pela Polícia da Corte:

1) que o governo, diante das informações chegadas ao

seu conhecimento, não tomou as providências enérgicas

e oportunas que devia, confiando nas negativas e

protestos de fidelidade do Chefe do Estado-Maior ou

Ajudante General do Exército;

2) que o Chefe de Polícia foi a única autoridade vigilante,

embora não ouvida pelo governo e com a autoridade

sabotada por elementos subordinados;

3) que a vitória do movimento se deveu à inação por parte

do Ajudante General, Marechal Floriano Peixoto.

Por ressentimento político, o missivista foi injusto quanto

às referências feitas ao Marechal Floriano, que não ficou

inerte diante dos acontecimentos. Estava afinado com o golpe

militar republicano. Era um verdadeiro patriota, honesto nos

seus propósitos e impecável na sua conduta. Dentre os artífices

da Proclamação, talvez, tenha sido o mais determinado e

eficiente para alcançar o vitorioso desfecho.

O PRIMEIRO CHEFE DE POLÍCIA DA REPÚBLICA


Após algumas horas de permanência do capitão Espírito

Santo na Chefia da Polícia, o Governo Republicano

resolveu nomear para o cargo um bacharel em Direito, o

dr. João Batista de Sampaio Ferraz, em 16 de novembro de

1889. A par da excelente escolha seguiu uma tradição respeitada

pela monarquia de entregar a direção da Polícia a

um homem das leis.

Sampaio Ferraz, além de jurista, era um homem da

República. Desde a juventude lutou pelo estabelecimento do

novo regime pela propaganda, por meio da devotada pregação

dos princípios norteadores da liberdade e da democracia.

Nasceu na cidade de Campinas (SP) no dia 16 de fevereiro

de 1857. Formou-se na Faculdade de Direito de São

Paulo em novembro de 1878. Mudou-se para o Rio de Janeiro

e como muitos jovens bacharéis da época, iniciou a carreira

jurídica exercendo a função de promotor público de 1881 a

1888. Em 1888, a serviço do ideal republicano fundou com

João das Chagas Lobato o jornal “O Correio do Povo”, onde

teve a oportunidade de defender suas ideias.



Embora tenha permanecido no exercício do cargo por

pouco tempo, porque em 1890 foi eleito como o Deputado

mais votado pelo Distrito Federal à Assembleia Nacional

Constituinte, administrou com grande empenho a questão da

segurança pública da cidade assolada pela criminalidade de rua.

Como seus primeiros colaboradores, nomeou os drs. João

das Chagas Lobato e Thomaz Delphino dos Santos, para primeiro

e segundo Delegados Auxiliares e substituiu os delegados

dos distritos da Candelária, Santa Rita, Inhaúma, Engenho

Velho, Irajá e Santo Antônio, designando os drs. José Silvério

Barbosa, Orozimbo Correia Netto, Pedro Antônio Domingues,

Alfredo Augusto Vidal, José Manoel Novaes Machado e

Eduardo Augusto de Souza Santos, respectivamente.

Assumiu o cargo quando a atividade da capoeiragem estava

bastante ativa na cidade, embora houvesse um divisor

bem nítido entre a capoeira como manifestação cultural, que

se expressava pela luta, dança e música, caracterizada por

movimentos ágeis, com a utilização dos pés, mãos e acrobacias,

desenvolvida pelos escravos africanos trazidos para o

Brasil como meio de defesa pessoal, resistência à opressão do

sistema escravagista, preservação da identidade e tradições e

a capoeiragem praticada nas ruas do Rio no curso do século

XIX que era a utilização dos conhecimentos da capoeira em

apoio às atividades dos criminosos para o roubo, a agressão,

homicídio, arruaça, depredações e demais violências dirigidas

à população em geral, surpreendida em meio à mazorca

por ela criada.

Em artigo publicado no “Correio da Manhã”, de

26/03/1967, Agostinho Seixas assim a descreve: “...puxadores

de carrinhos e os chamados pretos de ganho (biscateiros),

pescadores e peixeiros transformavam-se definitivamente em

capoeiras profissionais, empreiteiros de crimes e vinganças,

guarda-costas de pessoas de recursos ou não. Eram temidos e

respeitados, pela valentia e agilidade de seus golpes, quase sempre

fatais para os adversários.

Não rejeitavam “parada” e até guarnições de soldados

eram enfrentadas a “cabeçada”, “rasteira”, “rabo-de-arraia”. No

final do século passado (XIX) o problema que mais preocupava

as autoridades eram as maltas, existindo entre tantas a da

Lança, na freguesia de São Jorge, a de Santo Inácio, no Morro

do Castelo, os Luzianos, da Praia de Santa Luzia, Franciscanos,

de São Francisco de Paula e a do Bom Jesus do Calvário, denominada

dos Ossos.”

A capoeira como luta e como esporte, aos poucos, passou

a ser adotada pelo branco, pois, a eficiência dos seus golpes

dava a qualquer homem bem treinado superioridade nas contendas

de rua, nas disputas em que se envolvesse, com eficaz

defesa diante das agressões. Atraiu o interesse de soldados e

milicianos, da rapaziada da Corte, filhos de respeitadas famílias

e dos malfeitores.

Jornais, como “O Paiz”, “Jornal do Comércio”, “Diário de

Notícias” e outros, nos anos da monarquia já vinham noticiando

a atividade criminosa da capoeiragem, ora para roubar, ora

para ferir ou matar, ora para dissolver atividades ou festividades

públicas. Clamavam providências das autoridades contra

esses criminosos, que proliferavam na cidade e cuja repressão

vinha sendo feita com a maior dificuldade pela polícia.

O jornal “O Paiz”, de Quintino Bocaiúva, considerado

“O Príncipe do Jornalismo”, quase todos os dias, trazia notícias

como essas:

“Ontem, a tarde foi preso à Rua Santo Cristo o capoeira e desordeiro

conhecido como Manduca Mulatinho sendo causa da prisão

o fato de Manduca ter espancado uma mulher na Praça do

Santo Cristo. Manduca é o mesmo indivíduo que no mês findo

promoveu desordens naquela rua, ferindo gravemente uma praça

de cavalaria...” “O Paiz”, 27/12/1885, pág. 2

“O dia de ontem, como tantos outros, foi consagrado às correrias

dos capoeiras. À tarde na travessa de São Francisco de Paula e

à noite no Largo da Carioca, os dois bandos inimigos vieram as

mãos e trocaram tiros de revólver, navalhadas e pedradas.” “O

Paiz” 09/03/1885, pág. 2

“Malvado capoeira, acobertado pela máscara que trazia a cara,

deu anteontem um profundo golpe de navalha em Manoel

Francisco dos Santos que se achava no botequim nº 130 da Rua

da Misericórdia. Santos foi recolhido à Misericórdia, (Santa

Casa). “O Paiz”, 22/02/1887 – pág. 1

“Anteontem voltaram a dar batalha na Rua de Alcântara e desta

vez aos cacetes, navalhas e facas juntaram armas de fogo. Os

moradores estavam espavoridos com a luta e com os tiros de

revólver, fecharam as casas e apetrecharam-se para defender a

vida e bens.” “O Paiz”, 14/01/1886 – pág. 1

O “Jornal do Comércio”, de 13/08/1886, edição 0224,

publicou um editorial com o título “Segurança Individual” e

abordou o grande inconveniente que constituía para a cidade

do Rio de Janeiro os “malfeitores conhecidos pela denominação

de capoeiras”:

“Há numerosos anos, nem sabemos desde quando, é flagelada

a cidade do Rio de Janeiro por essa classe de malfeitores conhecidos

pela denominação de capoeiras. A energia com que, em

algumas quadras, se tem procurado reprimir lhes as tropelias e

os crimes, apenas tem logrado atenuar o flagelo sem extirpá-lo.

O efeito momentâneo não tem embargado que, dentro de pouco

tempo, recrudesça o mal. Basta que a autoridade, por falta de

meios de ação ou por outra qualquer causa, se mostre menos

vigilante, para que tais malfeitores redobrem a audácia de que

toda a cidade pode dar testemunho doloroso.

Não são malfeitores comuns os capoeiras. Em todas as grandes

cidades pululam vagabundos, desordeiros, homens de maus

instintos, criminosos de diversos graus. Os capoeiras do Rio de

Janeiro, porém, constituem particular categoria de malfeitores e

é triste saber que nessa hedionda classe não é raro achar homens

que são para ela atraídos por outras causas, que não, a falta de

aptidão de trabalho e até de proteção.

Os anais da polícia registram homicídios perpetrados por capoeiras

sem nenhum outro móvel além da ostentação de inaudita

perversidade. Ferem e matam pessoas a quem não conhecem,

que vão pacificamente o seu caminho, assim praticando o crime

pelo crime, dir-se-ia pela vaidade de primar entre os seus pela

agilidade no maneio da arma homicida ou pelo requinte dos

instintos perversos.”

Sampaio Ferraz, com zelo e cumprindo os deveres determinados

pelo cargo, reprimiu essa onda de criminalidade

cujos males tanto afetavam a população do Rio. Sob o

seu comando, a polícia aumentou a vigilância, o número de

prisões de criminosos tornados famosos por suas façanhas e

providenciou para o efetivo cumprimento das penas em estabelecimentos

carcerários.

O trabalho feito com seriedade passou a ser respeitado,

acatado, tornando-se eficaz. A repressão atingia a todos os desordeiros

independentemente da sua posição social e do político

a quem serviam. Dentre estes, não fugiu à ação policial o

capoeirista José Elísio dos Reis, filho do Conde de Matosinhos.

Mandado cumprir pena na Ilha de Fernando de Noronha de

nada valeram as pressões de políticos influentes no governo republicano

de então.

Esse clamor popular contra as maltas da capoeiragem

acabou repercutindo na esfera da lei penal, tanto assim que o

Código de 11 de outubro de 1890, editado através do Decreto

nº 847 do governo provisório, passou a ocupar-se dos delitos

praticados por vadios e capoeiras nos artigos 399 e seguintes:

Capítulo XIII – Dos vadios e capoeiras

Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade

e destreza corporal conhecidos pela denominação capoeiragem;

andar em correrias, com armas ou instrumentos

capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumultos

ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo

temor de algum mal.

Parágrafo único. É considerado circunstância agravante pertencer

o capoeira a alguma banda ou malta.

Aos chefes, ou cabeças, se imporá a pena em dobro.

Art. 404. Si nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio,

praticar alguma lesão corporal, ultrajar o pudor público

e particular, perturbar a ordem, a tranquilidade ou segurança

pública, ou for encontrado com armas, incorrerá cumulativamente

nas penas cominadas para tais crimes.

Falsas teses surgiram muitos anos após os fatos narrados

para apresentar o ilustre brasileiro como injusto repressor

de uma genuína manifestação da cultura popular, mormente,

quando posterior à ação policial houve um acentuado decréscimo

da preferência pela capoeira como atividade desportiva

e meio de defesa pessoal.



Para J. Paula Ribeiro, em “Vida Policial” de janeiro de

1926, “o Dr. Sampaio Ferraz aproveitara a situação ditatorial

do Governo Provisório para exercer a repressão contra

os capoeiras, mas, sobrevindo o regime constitucional, os capoeiras

voltaram à Capital, onde não mais se arregimentaram.

Conservaram, porém, o jogo ou a escola para ocasiões oportunas,

e, posteriormente, não raro, a polícia tinha que enfrentar

um ou mais espécimes desregrados do grande corpo “capoeiral”.

A capoeira, ainda no primeiro quarto de século, foi perdendo

espaço como luta corporal e defesa pessoal diante da

superioridade técnica, princípios de ética desportiva e eficiência

efetiva da arte marcial oriental introduzida no Brasil

por Mitsuyo Maeda e disseminada por Carlos Gracie, hoje

conhecida por jiu-jitsu brasileiro.

A “Gazeta de Notícias” do dia 4 de maio de 1890 noticiou

com destaque a inauguração festiva da 14ª Estação de

Polícia no novo endereço do Campo de São Cristóvão n.° 118.

Melhoramentos, introduzidos nas repartições policiais, não

eram comuns no governo monárquico.

Na solenidade, estava presente o coronel Solon Ribeiro,

de destacada atuação na Proclamação da República, tornando-

se conhecido como o enviado do governo provisório encarregado

de comunicar ao Imperador a determinação para

deixar o país em 24 horas, no dia 16 de novembro de 1889.

“Ao desfraldar-se a bandeira, o professor Hemetério José dos

Santos, do Colégio Militar, pronunciou um discurso homenageando

o Chefe de Polícia Sampaio Ferraz e seus auxiliares em

São Cristóvão.

Pelos presentes foram feitos brindes, do professor Hemetério ao

brigadeiro Benjamin Constant, do delegado Pernambuco ao coronel

Sólon, do coronel Galvão pelo congraçamento do Exército

com a Polícia, do delegado Castro Junior ao Generalíssimo

Manoel Deodoro da Fonseca.”


A ORGANIZAÇÃO POLICIAL DA REPÚBLICA


Dentre as primeiras providências do governo provisório

estavam alguns decretos que disciplinavam os serviços

de polícia do Distrito Federal, herdados da Polícia da Corte,

adequando e aperfeiçoando-os em normas e procedimentos,

que os mantiveram subordinados ao Chefe de Polícia.

O decreto de maio de 1890 torna mais célere a ação da

polícia, estabelecia a competência cumulativa, administrativa

e criminal dos delegados de polícia e permitia a qualquer um

deles da mesma cidade tomar conhecimento dos distúrbios, delitos

ou suspeita de criminalidade ocorridos; proceder às averiguações

legais; prender os criminosos e no impedimento do

delegado do distrito de origem fazer o inquérito policial e ainda

organizar o processo preparatório das infrações e crimes, restringindo,

desse modo, a aplicação das regras da competência

em razão do lugar do delito ou da residência do réu.

No Rio, a cidade era dividida em delegacias circunscricionais,

as quais se subdividiam em tantos distritos quantos

fossem necessários à divisão de tarefas. Era, portanto, competente

para conhecer os fatos delituosos ou administrativos

da sua alçada o delegado da circunscrição policial onde estes

tivessem ocorrido, ou qualquer outro delegado que tomasse

conhecimento deles em primeiro lugar.

Dois meses depois, recebeu nova regulamentação a

Secretaria de Polícia da Capital Federal, órgão de caráter administrativo,

incumbido não só dos assuntos relativos à gestão

interna da polícia como também àqueles relacionados com

as competências de fiscalização externa da sociedade como a

inspeção de veículos e seus condutores.

Foram mantidas as figuras do Secretário de Polícia, do

Oficial Maior e demais cargos já existentes na Polícia da Corte,

todos subordinados ao Chefe de Polícia. Esse cargo de Secretário,

o principal auxiliar da Chefia para as tarefas administrativas

da instituição, criado em 1808, subsistiu até 1944, quando

da alteração da denominação da Polícia Civil do Distrito Federal

para Departamento Federal de Segurança Pública.

No governo do Marechal Floriano Peixoto nova lei de

1892 reorganizou a Polícia do Distrito Federal e introduziu

algumas inovações e, alterou terminologias.

A Polícia do Distrito Federal manteve como Superintendente

Geral o Ministro da Justiça e Interior e era dirigida

pelo Chefe de Polícia, com a atribuição de proceder o

policiamento do município por intermédio de seus Agentes.

O Distrito Federal continuou dividido em circunscrições

policiais atendendo a densidade populacional até o número

de vinte urbanas e oito suburbanas, dirigidas cada uma delas

por um delegado de polícia sob as ordens imediatas do Chefe

de Polícia. As circunscrições foram subdivididas em seções

até o número de 200 urbanas e 64 suburbanas. Subordinados

ao delegado, os inspetores eram responsáveis pelas seções

e pelo policiamento correspondente à sua área seccional.

Assim, o antigo Inspetor de Quarteirão sede lugar ao Inspetor

Seccional. Esse policiamento era reforçado em cada circunscrição

policial por um destacamento de força armada (art.

39) à disposição do seu delegado. A força armada era a Força

Policial, atual Polícia Militar.

Foi criado o Corpo dos Agentes de Segurança com o objetivo

de desenvolver trabalho policial velado segundo as exigências

das investigações.

Foram mantidos os cargos de Delegado Auxiliar e de escrivão

com serventia vitalícia.

Mantido ainda o inquérito policial para a apuração das

infrações penais e da sua autoria e restabelecida a competência

da Polícia para o preparo e julgamento dos processos decorrentes

dos termos de segurança e bem viver.

O Decreto nº 1.034-A, de 1º de setembro de 1892, regulamentando

a execução da lei supramencionada enumera

as atribuições do delegado de polícia no seu artigo 24: fazer

respeitar os direitos individuais e manter a ordem pública; vigiar

e providenciar sobre a prevenção de sinistros, riscos, perigos

e crimes que afetem a segurança pública; empregar a força

armada policial nas diligências necessárias à manutenção da

ordem e sossego da população; indagar dos crimes e descobrir os

criminosos; prender os delinquentes em flagrante delito, lavrando

os respectivos autos; prender preventivamente em crimes

inafiançáveis, com mandado de autoridade judiciária; proceder

à busca e apreensão; instaurar o inquérito policial; processar e

julgar os termos de bem viver e de segurança; prender vadios,

mendigos, ébrios habituais e vagabundos, submetendo-os ao

respectivo processo; interferir em sociedades secretas e ajuntamentos

ilícitos; coordenar o trabalho dos seus auxiliares; velar

sobre as pessoas que venham habitar a Capital Federal; exercer

vigilância sobre a prostituição; fiscalizar as casas de penhor; requisitar

exames de corpo de delito; presidir espetáculos teatrais

e apresentações públicas, quando designado.

No seu artigo primeiro define a natureza jurídica e social

da instituição policial à luz do regime democrático: “A organização

policial do Distrito ou Capital Federal é a constituição

sistemática dos Agentes indispensáveis para a proteção dos direitos

individuais e manutenção da ordem pública.”

O artigo quarto torna o Chefe de Polícia o centro da atividade

policial, seu dirigente maior com autoridade sobre as

demais autoridades e agentes policiais.

Além dos funcionários policiais, o regulamento enumerou

os empregados da Polícia: seis médicos, um administrador

de depósito, um Inspetor de veículos, dois oficiais portuários,

um tesoureiro.

Situando a polícia no ramo da administração civil do

Poder Executivo por meio de vinculação ao Ministério da

Justiça e Interior, acompanhou o modelo das organizações policiais

dos países mais adiantados.

Vimos a concentração da atividade policial na delegacia

de polícia, entrosando as ações do policiamento preventivo

da cidade, desenvolvido nos logradouros públicos e demais

locais sujeitos a fiscalização, supervisionado pelos Inspetores

seccionais e o exercício da polícia judiciária, investigativa e

repressiva, mas também preventiva na medida em que o seu

exitoso trabalho arrefecia as arremetidas criminosas.

Esse sistema de aceitação universal, pelo fato de assegurar

maior eficiência à prestação dos serviços policiais, foi

mantido até o governo militar de 1964, responsável pela segmentação

da estrutura da segurança pública dos estados brasileiros

com as consequências danosas que se seguiram.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

A IDENTIFICAÇÃO DATILOSCÓPICA


José Félix Alves Pacheco, jornalista, político, poeta e tradutor,

nascido em Teresina, estado do Piauí, em 2 de agosto de

1879, foi nomeado para dirigir o Gabinete de Identificação e

de Estatística em 1903 pelo Chefe de Polícia, Antônio Augusto

Cardoso de Castro, tornando-se o seu primeiro diretor.

         Félix Pacheco

No exercício da sua direção, introduziu na Polícia do

Distrito Federal o serviço antropométrico, segundo Bertillon

e, depois, o sistema datiloscópico de Vucetich.

O Decreto nº 4.764, de 5 de fevereiro de 1903, que baixou

o regulamento da Secretaria da Polícia do Distrito Federal

(órgão administrativo subordinado ao Chefe de Polícia), definiu

as atribuições do Gabinete de Identificação e introduziu a

identificação datiloscópica no Rio de Janeiro:

“Art. 52. O Gabinete de Identificação e de Estatística será uma

secção de caráter, ao mesmo tempo, judiciário e policial, destinada

a representar no mecanismo de repressão da Capital da

República o papel de traço de união entre as Delegacias e as

Promotorias, registrando com absoluta segurança o movimento

criminal das primeiras, não só para os fins de estatística inerentes

à sua função de cadastro, como para poder orientar as

segundas, fornecendo-lhes informações seguras acerca dos reincidentes

e dos recalcitrantes habituados a infringir a lei penal.

Art. 57. A identificação dos delinquentes será feita pela combinação

de todos os processos atualmente em uso nos países mais

adiantados, constando do seguinte, conforme o modelo do livro

de Registro Geral anexo a este regulamento:

a) exame descritivo (retrato falado);

b) notas cromáticas;

c) observações antropométricas;

d) sinais particulares, cicatrizes e tatuagens;

e) impressões digitais;

f) fotografia da frente e de perfil.

Parágrafo único. Esses dados serão na sua totalidade subordinados

à classificação datiloscópica, de acordo com o método

instituído por D. Juan Vucetich, considerando-se, para todos

os efeitos, a impressão digital como a prova mais concludente

e positiva da identidade do indivíduo e dando-se-lhe a

primazia no conjunto das outras observações, que servirão

para corroborá-la.”

            Juan Vucetich

O processo datiloscópico de Vucetich prezava pela simplicidade

dos seus meios e certeza dos seus resultados como

a experiência demonstrou nos países onde foi adotado.

Também oferecia maiores vantagens econômicas e técnicas.

Iniciava-se a tendência do abandono do método de

Bertillon ou Bertillonage e, consequente, adoção do sistema

datiloscópico. Além da falibilidade do primeiro, constatada

na prática diária, o método antropométrico exigia uma

custosa e complexa instalação, com aprendizagem difícil,

enquanto a datiloscopia não requeria o mesmo pessoal nem

equivalente estrutura.

Dispensando uma aparelhagem imprescindível às mensurações

antropométricas, a datiloscopia resumia-se na tomada

de impressões digitais e classificação das fichas com a

mínima despesa e máxima celeridade.

Com vantagem, aplicava-se de forma genérica aos indivíduos

de qualquer idade dada a persistência e invariabilidade

dos desenhos papilares em todos os períodos da vida humana.

Juan Vucetich esteve no Rio em 1905 para participar do 3º

Congresso Científico Latino-Americano, quando apresentou

um trabalho intitulado “Evolução da Datiloscopia”. Na ocasião,

presenteou o Gabinete de Identificação com um exemplar da

mesa padrão para coleta de impressões digitais segundo a sua

concepção. Essa peça se encontra no Museu da Polícia Civil.

          Mesa para coleta de impressões digitais de Vucetich

Vucetich, um imigrante croata, ingressou na Polícia Provincial

de Buenos Aires em 1884, onde permaneceu até 1912, quando

se afastou como Chefe do Gabinete de Identificação.

Em dezembro de 1908, o Chefe de Polícia do Distrito

Federal, Alfredo Pinto Vieira de Mello, expediu circular aos

chefes de polícia dos outros estados da federação concitando-

os à unificação do sistema de identificação pelo processo

datiloscópico e propondo um convênio interestadual de

polícia tendente a fortalecer a ação preventiva e repressiva

das autoridades policiais em todo o território da República.

Lembrou que só assim seria possível firmar o conceito de

reincidência “pelo qual se orienta a defesa social na repressão

judiciária da criminalidade”.


        Antiga sede do Gabinete de Identificação - início do século XX.

       O prédio foi casa do Marques do Lavradio.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

1908 - CENTENÁRIO DA POLÍCIA CIVIL


Em longo artigo publicado em comemoração da criação

da Intendência Geral de Polícia da Corte e do Estado do

Brasil, em 10 de maio de 1808, o mais importante jornal do

Rio de Janeiro, “O Paiz” se manifestou na sua primeira página:

“A data que hoje passa é a de um centenário e nos faz volver

num sonho retrospectivo, ao início de uma instituição que figura

na primeira plana das organizações sociais. Lembrando-a,

trazendo para o palco de agora os fatos de então, gozamos o

esquisito encanto que nos dá a confrontação dos nossos com os

costumes em torno dos quais se desenrolaram os acontecimentos

há cem anos: costumes e fatos que vieram na propulsão das leis

que regem os homens e as coisas até os nossos dias.

Foi a 10 de Maio de 1808 que este nosso torrão amado logrou

ter a honra de sua primeira organização policial, e o alvará que

evocamos aqui e onde está posta a rubrica do primeiro príncipe

que pisou estes solos, foi a picada feita na selva emaranhada,

pela qual definitivamente entramos na civilização mundial.

Já então corria o prolóquio: país policiado, país civilizado.”

“O novo édito dava aos serviços de polícia um raio de ação

determinado e concreto, reunindo sob uma autoridade superior

os elementos que andavam disseminados pelas alçadas

judiciárias e administrativas. Foi esse o espírito que presidiu

a feitura do alvará de 10 de Maio de 1808, lançado no estilo

rebuscado da época.”

Necessário ressaltar que a data comemorada de 1808 é a

da institucionalização da organização policial no Brasil, mas

a polícia é bem mais antiga e remonta ao século XVII. Com as

Ordenações Filipinas de 1619, surgiu a figura do alcaide cuja

atuação de polícia judiciária foi disciplinada pelo § 29, título

56 do livro primeiro.

         Alusão aos Alcaides e seus escrivães

Cabia a eles fazer prisões e apreensões, precedidas de diligências

realizadas com frequência à noite, sempre acompanhados

de um escrivão da alcaidaria, encarregado de reduzir

a termo e dar fé aos resultados colhidos nessas ações. Eram

nomeados por carta régia, sendo escolhidos dentre juízes e

vereadores com mandato de um triênio. Deveriam prestar

fiança ao entrar em serviço e estavam proibidos de exercer a

advocacia ou a procuradoria extrajudicial.

Servidores inferiores de polícia, de caráter civil, os quadrilheiros

foram introduzidos no Rio de Janeiro a partir da

correição feita em 26 de outubro de 1626 pelo ouvidor geral

Luís Nogueira de Brito, que mandou dar cumprimento ao título

73 do livro primeiro das Ordenações. Tinham a função

de rondar a cidade e prender malfeitores.

Ao cronista, historiador e delegado da Polícia Civil do

Distrito Federal, Henrique José do Carmo Neto, muito se

deve pela aprofundada pesquisa histórica da vida policial na

Colônia, bem como pela publicação dos seus estudos que serviram

de base para muitos autores.

Ele mostrou como os alcaides e demais serventuários

com funções policiais, ainda em exercício por ocasião da criação

da Intendência Geral em 1808, foram por ela absorvidos

e passaram a se submeter ao Intendente Geral de Polícia da

Corte e do Estado do Brasil, este com ampla e ilimitada jurisdição

em matéria policial. Sob a autoridade do Intendente

Geral estavam também os ouvidores gerais, os ministros criminais

e cíveis, corregedores, inquiridores, meirinhos, capitães

de estradas e assaltos e, por fim, quadrilheiros.

Já sob a égide da Intendência Geral de Polícia surgiu

em 1810 o cargo de Comissário de Polícia, criado pelo aviso

de 25 de maio do mesmo ano. Após quinze anos, ocorreu

a sua efetivação por determinação do Intendente Francisco

Alberto Teixeira de Aragão, que disciplinou a respectiva atuação

pela portaria de 4 de novembro de 1825. Às pessoas escolhidas,

reconhecidamente honradas, probas e de acendrado

patriotismo, coube chefiar os distritos policiais para os quais

foram designadas.

A linha de sucessão direta dessas autoridades e seus

auxiliares no exercício da polícia, iniciada com os alcaides,

sucedidos no século XIX pelos Comissários, chegando aos

Delegados dos nossos dias, atesta os quatro séculos de existência

da instituição policial e da prestação permanente dos

seus serviços à sociedade.

          Prédio da Intendência Geral de Polícia em 1808, na atual Pç. da República

As comemorações do centenário da Polícia Real, tão importante

data para a instituição e para o Rio de Janeiro, foram

realizadas em sessão solene na repartição central da polícia

na Rua do Lavradio, 78 a 80, a antiga sede da Chefatura de

Polícia da Corte, em prédio que não mais existe. O retrato de

Paulo Fernandes Viana, 1.° Intendente Geral, foi entronizado

na galeria dos antigos Chefes de Polícia com a presença do

Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Augusto Tavares

Lira, do Chefe de Polícia Alfredo Pinto, dos delegados auxiliares

Albuquerque e Mello, Mariano Medeiros, Álvaro Lima

e demais convidados dentre autoridades civis e militares. Esse

retrato emoldurado em um quadro está preservado no Museu

da Polícia Civil.

Erguia-se perto dali, na Rua da Relação, o novo Palácio

da Polícia com a pedra fundamental lançada como parte da

efeméride.

No final da sua longa matéria, sintetizando a História da

Polícia do Rio de Janeiro, “O Paiz” lembrou os chefes de polícia

da República e seus períodos administrativos:

• Bel. João Batista de Sampaio Ferraz – 1889-1890

• Bel. Agostinho Vidal Leite Ribeiro – 1890

• General Bernardo Vasquez – 1890

• Des. José Antônio Gomes - 1891

• Bel. Pedro Antônio de Oliveira Ribeiro – 1891

• Bel. Joaquim Xavier da Silveira Júnior – 1892

• Bel. Manoel Martins Torres – 1892

• Bel Agostinho Vidal Leite Ribeiro – 1893

• Delegado Bernardino Ferreira da Silva – 1893

• Cel. Perciliano de Oliveira Valadão – 1894

• Médico Francisco Correa Dutra – 1894

• Juiz André Cavalcante de Albuquerque – 1894-1897

• Bel. Edwiges de Queiroz Vieira – 1897

• Bel. João Batista Sampaio Ferraz – 1898

• Delegado João Brazil Silvado – 1900

• Juiz Enéas Galvão – 1900

• Juiz Edmundo Muniz Barreto – 1900-1902

• Ministro (do STM) Antônio Augusto Cardoso de

Castro – 1902-1906

• General Hermes Rodrigues da Fonseca – interino em

setembro de 1903

• Des. Manoel José Espínola – 1906

• Delegado Manoel Joaquim de Albuquerque e Mello

– 1906

• Prof. Alfredo Pinto Vieira de Mello – 1906-1909

      Chefe de Polícia que dirigiu as comemorações do Centenário


domingo, 6 de fevereiro de 2022

A GUARDA CIVIL


Dando cumprimento à Lei nº 947 de 29 de dezembro de

1902, que criou a Guarda Civil do Distrito Federal, o

Chefe de Polícia Antônio Augusto Cardoso de Castro, em 24

de fevereiro de 1904, inaugurou os serviços da corporação

policial com 150 homens em uniformes, destinados ao policiamento

do centro da cidade do Rio de Janeiro.

Foi inspirada na Guarda Urbana da Polícia da Corte criada

em 1866 e cuja existência se estendeu até a Proclamação da

República (não confundir a Guarda Urbana com os “urbanos”

de período anterior e com outra natureza). A nova corporação,

integrada por servidores de estatuto civil, consoante com

a função policial que é de natureza civil, estava subordinada

ao ramo civil da administração no âmbito do Ministério do

Interior e da Polícia Civil do Distrito Federal.



No ano inaugural, foi intenso o trabalho da Guarda. As

agitações populares decorrentes da Revolta da Vacina mantiveram

os policiais nas ruas reprimindo os excessos. Tornouse

necessário o uso de armamento longo, não previsto, como

os fuzis Comblain.

Encarregados da segurança do gasômetro no antigo

Campo de Marte, os policiais se viram obrigados a enfrentar

a fúria dos arruaceiros, que tudo depredavam causando

inumeráveis prejuízos à cidade. Em um violento combate,

conseguiram impedir a turba de apoderar-se das instalações

ao custo de inúmeros feridos, dentre os quais três policiais

atingidos pelas balas dos amotinados e da morte do guarda

Domingos Gusmão de Azevedo Fernandes, o primeiro mártir

da corporação.

Esse início belicoso, forçado pelas circunstâncias, contrastou

com a finalidade pacífica e civilizatória da Guarda

constituída de funcionários civis para serviço dos seus concidadãos,

dedicados à proteção das pessoas e à manutenção da

paz nas ruas.

Em 1910, a publicação mensal “Brazil Magazine”, nº 54,

ano V, em artigo sobre a Polícia Civil do Distrito Federal, assim

se referiu à corporação em tela:

“A Guarda Civil, com o seu pessoal corretamente fardado,

limpo e cortes, dedicado e incansável, desde o seu início

conquistou as simpatias públicas e se torna uma instituição

benemérita.”

             Guardas-civis de 1911


O uso do uniforme pelo policial civil decorre da necessidade

de pronta identificação nos locais públicos, onde está

exercendo as suas funções. É usado em todas as polícias do

mundo e trajá-lo é motivo de orgulho para os bons funcionários,

fiéis cumpridores da Lei e objeto da admiração do

cidadão, testemunha dos serviços prestados com correção.

Vesti-lo não os torna militares.

Na edição de 18 de agosto de 1911, o jornal oposicionista

“Correio da Manhã” noticiava de forma jocosa a adoção

dos cassetetes como equipamento padrão dos guardas, o qual

apelidava de “São Benedito”.

“Nós somos os heróis da imitação. Infelizmente imitamos: o que

é útil pouco; o que é inútil muito.

Apareceu ontem nas mãos dos guardas-civis, um pauzinho longo,

de dois palmos, roliço e preto.

É o cassetete, uma espécie de lei em pinho-de-riga: a imagem do

sr. Belisário (Chefe de Polícia), cor de São Benedito.

Num país militarizado como o nosso, ficará sendo o cassetete a

espada da polícia civil, uma espada sem lâmina e sem fio, mas

nem por isso menos tremenda e fatal que a outra.

No país do “não pode”, entretanto, essa durindana é um lindo

pretexto decorativo a serviço do nosso prodigioso senso de

imitação.

Na verdade, de que servirá o cassetete nos dias chamados de

“arrocho” num ângulo escuro da Saúde ou da Gamboa, a dominar

um conflito entre capadócios desordeiros? Nada.

Mas é necessário que a gente veja que a polícia quer fazer alguma

coisa, que ela se mune, ao menos, de todas as armas modernas

para a defesa dos bons costumes.”

Apesar das brincadeiras do jornalista, é inegável que o

utensílio, já em uso na Europa e nos Estados Unidos, era mais

um meio suasório a serviço do policial.

O Diretor da Guarda Civil, delegado de polícia Cláudio

Vieira Peixoto, na “Revista Arquivos do D.F.S.P.” nº 10, vol.

II de 1946, descreveu a sua evolução após quarenta e dois

anos de existência, exercendo o policiamento ostensivo e auxiliando

na manutenção da ordem pública:

“O seu efetivo tem evoluído com os diversos aumentos, na

conformidade dos créditos orçamentários. Em nossos dias é

de 2.500 homens o número completo dos guardas-civis. De

modo geral, dividem-se eles por dois ramos de serviços: policiamento

e tráfego, ficando os do primeiro subordinado diretamente

à Guarda Civil e os do segundo ao serviço de trânsito

do D.F.S.P.”

“Aos primórdios da sua existência competia à Guarda Civil policiar

o centro da cidade. Os subúrbios eram então acometidos

à Brigada Policial. Gradualmente, porém, foi-se ampliando a

esfera das suas atribuições e hoje está difundido o policiamento

da G.C. por todo o Distrito Federal.

De Copacabana ao longínquo subúrbio de Bangu, abrangendo

a faixa da E.F. Leopoldina, dispomos de 16 seções descentralizadas,

que se denominam Grupos Distritais.”

          Guarnição do Socorro Urgente

Referiu-se, mais adiante, ao socorro policial, criado

em 8 de agosto de 1939, serviço de emergência da Guarda

Civil, constituído de equipes de seis guardas motorizados

em camionetes de fabricação norte-americana da marca

Ford Woody, distribuídas por diversos pontos da cidade

e acrescenta: “o pessoal é selecionado e os Chefes de

Guarnições são convenientemente instruídos, respondendo

solidariamente com os seus subordinados pelos excessos que

porventura pratiquem.

Nessas condições, mesmo nessa modalidade de policiamento,

não se modificam a urbanidade e a correção do

guarda-civil de ronda, com o qual já se habituou a pacata

população desta cidade que o respeita e admira”.

Com 20 dias de existência, as equipes do “Socorro

Urgente” compareceram em 201 chamados relacionados a

desordens – 16, alcoolismo – 31, agressões – 22, futebol na

via pública – 63, perturbação do silêncio na via pública – 17,

ofensas à moral pública – 10, detenção e remoção de loucos

da via pública – 2, providências sobre o desaparecimento de

menores – 7, violação de domicílio – 4, furtos de automóveis

– 3, jogo na via pública – 6, apedrejamento de residências – 4,

tiros na via pública – 2, vias de fato – 4, prisão de assaltante

– 1, tentativa de rapto – 1, socorros a pedido de diversos

departamentos policiais – 8. Os variados tipos de solicitações

contribuem para indicar as tendências do comportamento

urbano na cidade do Rio de Janeiro da época, quando a população

atingia cerca de 1.800.000 habitantes.

O bom relacionamento entre os guardas-civis e os moradores

dos bairros, onde rondavam, aproximava a polícia

dos cidadãos e gerava um sentimento de confiança e gratidão.

Manifestações de consideração e afeto passaram a ser comuns.

Conta-se que uma senhora moradora da Rua Bambina

em Botafogo, depois de acompanhar por muitos anos o trabalho

dedicado do guarda-civil da área, resolveu incluí-lo

no testamento, aquinhoando-o com o imóvel onde morava.

Falecida a bondosa testadora, foram abertas as suas últimas

disposições e, dentre elas, estava destinada a casa da Rua

Bambina para o guarda-civil da rua. Como o documento, mal

redigido no tabelionato, não explicitasse o nome do guarda, o

governo interpretou-o como sendo um benefício destinado à

Guarda Civil e o incorporou para sede de um distrito policial.

Ganhou a Polícia Civil um novo prédio e perdeu o humilde

servidor público a oportunidade de usufruir do valioso bem.

O guarda-civil, o funcionário civil uniformizado, era

bem recebido e aceito por seus concidadãos no desempenho

do serviço policial realizado no âmbito da sociedade.

Era, pois, um civil, representante da autoridade civil se entendendo

com outros civis, sobre assuntos de natureza civil

num mundo civil.

A Guarda contribuiu para manter no Brasil o ordenamento

adotado no exterior, que une sob a coordenação da

mesma delegacia (com as suas diversas denominações locais:

precinct, commissariato, commissariat, comisaría etc.) as atividades

de polícia judiciária e os serviços de policiamento ostensivo

(uniformizado) da respectiva circunscrição policial. É

o modelo padrão cujo êxito decorre do trabalho colaborativo

dos dois segmentos, reunindo esforços para o combate à incidência

criminal em determinada área policial. O governo

militar, iniciado em 1964, resolveu extingui-la, ignorando as

exigências de um sistema de segurança pública racional.

           O ditador Costa e Silva deliberou retirar o policiamento civil das ruas.



sábado, 5 de fevereiro de 2022

A NOVA POLÍCIA DA REPÚBLICA


Desde o início do século XX, exerciam o cargo de Chefe

de Polícia do Distrito Federal juristas, dotados de vasta

ilustração e capacidade de trabalho, dos quais se valeu o governo

da República para reorganizar a polícia para o estado

democrático de direito, destinada a exercer as suas funções

adstritas aos ditames legais com respeito às garantias do cidadão,

priorizando o aperfeiçoamento profissional, a investigação

competente e o emprego dos conhecimentos científicos

oferecidos pelo progresso da época.

De 1900 até 1910 passaram pelo importante cargo, Enéas

Galvão, Edmundo Muniz Barreto, Antônio Augusto Cardoso

de Castro, Manoel José Espínola, Alfredo Pinto Vieira de

Mello e Carolino Leoni Ramos, todos alçados, depois, ao cargo

de Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Tiveram visão para introduzir no Distrito Federal o

modelo de polícia judiciária contemporânea, à semelhança

de outros países que melhor a organizavam. Tornou-se

conhecido na Europa o empenho de Georges Clémenceau,

Presidente do Conselho da Terceira República Francesa

e Ministro do Interior (1906-1919), para institucionalizar

a polícia judiciária e dotar o seu país “de um organismo

necessário à preservação social, competente e adequado para

levar à autoridade judiciária os conhecimentos indispensáveis

para a repressão das infrações penais”.

Portanto, a reforma policial procurou privilegiar o trabalho

da polícia judiciária, incentivando o desenvolvimento

da investigação profissional e ética realizada por seus Agentes

com o apoio dos subsídios fornecidos pelos órgãos periciais.

A investigação policial bem sucedida como resultado do

trabalho realizado

pelo investigador habilitado com os conhecimentos

transmitidos pela Escola de Polícia, para esclarecer

as infrações penais, indicar os autores, colher a prova e

elementos necessários à efetivação de uma prisão autorizada

pela lei. Os fundamentos da prisão a precederiam, não seria

admitida a prisão como meio investigatório. Cumprir-se-iam

as práticas civilizadas de um estado democrático.

O governo passou a criar a estrutura e os meios materiais

para tornar exequível as ideias renovadoras. O Decreto

nº 1.631, de 3 de janeiro de 1907, que autorizou a reformar o

serviço policial, atualizou as disposições do Decreto nº 4.763,

de 5 de fevereiro de 1903, e redefiniu o quadro de pessoal e

suas funções.

         A nova Central de Polícia de 1910

Entre os anos de 1908 e 1910, foi concluída a obra da nova

central de polícia, que a par de possibilitar a realocação dos

serviços centrais do velho imóvel da Rua do Lavradio, criou

espaço amplo e moderno para a expansão das atividades.

Inaugurado em 5 de novembro de 1910 com a presença

do Presidente da República Nilo Peçanha, o prédio da

“Polícia Central”, na Rua da Relação, foi planejado e construído

nesse momento de reforma da Polícia Civil e de modernização

da própria cidade do Rio de Janeiro por meio da

obra de embelezamento e saneamento de Pereira Passos e de

Rodrigues Alves.

As novas instalações abrigavam o gabinete do Chefe de

Polícia e demais repartições importantes da instituição. Nele,

foram logo instaladas as três delegacias auxiliares, a Secretaria

de Polícia (atual Secretaria Administrativa), os gabinetes periciais,

o Corpo de Investigação e Segurança Pública, a direção

da Guarda Civil e da Inspetoria do Tráfego. Dois anos depois,

no mesmo prédio, surgiram a Escola de Polícia Científica do

Rio de Janeiro e o Museu do Crime, também previstos no projeto

de construção.

O prédio foi idealizado em primoroso estilo eclético

francês pelo premiado arquiteto Heitor de Mello, para, segundo

diretrizes governamentais, simbolizar a importância

da instituição policial e sediar uma polícia moderna a serviço

do estado democrático. Construído junto da via pública,

com ampla entrada e muitas janelas, sem subterrâneos nem

masmorras, destinava-se a ser um local aberto à fiscalização

da sociedade. O estabelecimento do Museu do Crime (hoje

Museu da Polícia Civil) sob a abóbada do último andar franqueava

ao público visita à nova “Polícia Central”.


           Foto de uma das salas de aula da Escola de Polícia de 1912

A Escola de Polícia, situada no pavimento térreo, teve

como primeiro diretor o professor Elísio de Carvalho, cientista

social e entusiasta do ensino policial. Cursos de formação e

aperfeiçoamento foram criados para o pessoal de investigação

formado pelos integrantes do Corpo de Segurança Pública.

Elísio de Carvalho reproduziu no “Boletim Policial” um

trecho do artigo de Alexandre Lacassagne, publicado na famosa

revista de Lion, “Archives d’Anthropologie Criminelle”,

em junho de 1913:

“O Rio de Janeiro dá exemplo ao Velho Mundo organizando

uma Escola da Polícia que é um modelo admirável, quer quanto

à instalação, quer quanto ao aparelhamento.

Desde muito tempo possuía o Rio de Janeiro um serviço médico-

legal dirigido pelo Dr. Afrânio Peixoto, do qual tive o ensejo

de falar em “Crônica Latina”, de 1906. Possuía demais

o Distrito Federal um serviço de identificação, facultando a

identificação dos criminosos, as perícias de fotografia judiciária,

a identificação civil, a estatística criminal e a publicação

do excelente Boletim Policial. Introduziu-se a datiloscopia

Vucetich que, substituindo a antropometria pelo decreto de 5

de janeiro de 1905, dera os melhores resultados. A Escola de

Polícia vem completar esse conjunto.”

           O guarda-civil de 1904

A Guarda Civil foi mecanismo de preservação da ordem

pública, contribuindo para projetar a presença do distrito policial

em toda a área da sua circunscrição por meio do agente

uniformizado, coadjuvante das investigações pelo amplo conhecimento

adquirido do espaço policiado.

O Corpo de Investigação e Segurança Pública com a

atuação investigativa dos agentes de segurança pública, admitidos

por meio de prova de seleção e profissionalizados em

cursos específicos da Escola de Polícia.

A Polícia Marítima, exercida pela Inspetoria de Polícia

Marítima, destinada ao policiamento da Baia de Guanabara,

navios e portos, passou a impedir a entrada pelo mar de indivíduos

reconhecidamente criminosos, os quais se somariam à

delinquência já existente na cidade.

           Uma das lanchas de Polícia Marítima

A Colônia Correcional de Dois Rios “onde a pena se

transformava no trabalho regenerador e na aprendizagem

de ofícios compensadores” (Relatório do Chefe de Polícia –

Boletim Policial, 1908, 1º trimestre, p. 14/19).

O governo da República mostrou o seu cuidado seletivo

em relação aos nomes para ocupar o cargo de delegado de

polícia, destinando o importante posto para bacharéis reconhecidos

como confiáveis, pela competência e irrepreensível

conduta. Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda ocupou até

1910 a titularidade do 28º Distrito Policial – Ilhas, deixando-a

para se tornar pretor. Mais tarde, seria professor, diplomata,

ensaísta, membro da Academia Brasileira de Letras e o maior

jurista brasileiro do século XX, autor do Tratado de Direito

Privado com 60 volumes.

       Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda deixou a sua marca na Polícia Civil

É substituído pelo advogado José Antônio Flores da

Cunha que, durante a Revolução de 30, tornou-se Interventor

do Estado do Rio Grande do Sul e, após, governador eleito.

Raul Paranhos Pederneiras, mais tarde caricaturista, pintor,

escritor, teatrólogo, compositor e professor, com exercício na

função a partir de março de 1900 na 16ª Circunscrição Policial

– Engenho Novo. Henrique José do Carmo Neto Filho, nomeado

delegado do 14º Distrito Policial – Santana, exerceu

por longos anos a carreira policial. Carmo Neto era cronista,

pesquisador e historiador, legando grande parte dos conhecimentos

da História da Polícia decorrente do seu trabalho.

Nelson Hungria Hoffbauer foi delegado da Polícia Civil do

Distrito Federal até 1924. Ingressou na magistratura como

pretor, foi professor de Direito Penal, Ministro do Supremo

Tribunal Federal, participou da elaboração do Código Penal,

do Código de Processo Penal, da Lei das Contravenções Penais

e da Lei de Economia Popular. Para não prolongar uma longa

lista de valores, oportuna a menção do nome de Joaquim

Pedro Salgado Filho, delegado da 4ª Delegacia Auxiliar até

1932 e, mais tarde, em 20 de janeiro de 1941, fundador do

Ministério da Aeronáutica e seu primeiro ministro.

Os cargos da polícia eram de livre nomeação e exoneração

do Chefe de Polícia na forma prescrita pelo Decreto nº

1.631, de 1907. Havia as exceções do § 2º, inciso 4º, do artigo

2º, que exigiam habilitação especial e prova para provimento

dos cargos de Comissário, Inspetor, Subinspetor e Agente de

Segurança Pública. Para estes últimos, o § 3º proibia a publicação

das suas nomeações. Acreditava-se que a publicidade

poderia prejudicar o sigilo das futuras investigações a

serem realizadas pelos agentes do Corpo de Investigação e

Segurança Pública.

Segundo o artigo 201 do supracitado Regulamento” o

Corpo de Investigação e Segurança Pública era uma instituição

de agentes indispensáveis ao serviço de prevenção, investigação

e vigilância policial, proteção dos direitos individuais e

manutenção da ordem pública e compor-se-ia de um inspetor

e oitenta agentes.”

O mesmo Regulamento tornou incompatíveis os cargos

da polícia e da magistratura. Seria considerada como renúncia

do cargo a aceitação pelo magistrado da nomeação para

cargo policial e vice-versa.

COMO O MILITARISMO PREJUDICOU A POLÍCIA CIVIL

  Quando o ditador Costa e Silva (1969) separou as atividades policiais, contrariando o que existe no resto do mundo civilizado, limitando a...