domingo, 6 de fevereiro de 2022

A GUARDA CIVIL


Dando cumprimento à Lei nº 947 de 29 de dezembro de

1902, que criou a Guarda Civil do Distrito Federal, o

Chefe de Polícia Antônio Augusto Cardoso de Castro, em 24

de fevereiro de 1904, inaugurou os serviços da corporação

policial com 150 homens em uniformes, destinados ao policiamento

do centro da cidade do Rio de Janeiro.

Foi inspirada na Guarda Urbana da Polícia da Corte criada

em 1866 e cuja existência se estendeu até a Proclamação da

República (não confundir a Guarda Urbana com os “urbanos”

de período anterior e com outra natureza). A nova corporação,

integrada por servidores de estatuto civil, consoante com

a função policial que é de natureza civil, estava subordinada

ao ramo civil da administração no âmbito do Ministério do

Interior e da Polícia Civil do Distrito Federal.



No ano inaugural, foi intenso o trabalho da Guarda. As

agitações populares decorrentes da Revolta da Vacina mantiveram

os policiais nas ruas reprimindo os excessos. Tornouse

necessário o uso de armamento longo, não previsto, como

os fuzis Comblain.

Encarregados da segurança do gasômetro no antigo

Campo de Marte, os policiais se viram obrigados a enfrentar

a fúria dos arruaceiros, que tudo depredavam causando

inumeráveis prejuízos à cidade. Em um violento combate,

conseguiram impedir a turba de apoderar-se das instalações

ao custo de inúmeros feridos, dentre os quais três policiais

atingidos pelas balas dos amotinados e da morte do guarda

Domingos Gusmão de Azevedo Fernandes, o primeiro mártir

da corporação.

Esse início belicoso, forçado pelas circunstâncias, contrastou

com a finalidade pacífica e civilizatória da Guarda

constituída de funcionários civis para serviço dos seus concidadãos,

dedicados à proteção das pessoas e à manutenção da

paz nas ruas.

Em 1910, a publicação mensal “Brazil Magazine”, nº 54,

ano V, em artigo sobre a Polícia Civil do Distrito Federal, assim

se referiu à corporação em tela:

“A Guarda Civil, com o seu pessoal corretamente fardado,

limpo e cortes, dedicado e incansável, desde o seu início

conquistou as simpatias públicas e se torna uma instituição

benemérita.”

             Guardas-civis de 1911


O uso do uniforme pelo policial civil decorre da necessidade

de pronta identificação nos locais públicos, onde está

exercendo as suas funções. É usado em todas as polícias do

mundo e trajá-lo é motivo de orgulho para os bons funcionários,

fiéis cumpridores da Lei e objeto da admiração do

cidadão, testemunha dos serviços prestados com correção.

Vesti-lo não os torna militares.

Na edição de 18 de agosto de 1911, o jornal oposicionista

“Correio da Manhã” noticiava de forma jocosa a adoção

dos cassetetes como equipamento padrão dos guardas, o qual

apelidava de “São Benedito”.

“Nós somos os heróis da imitação. Infelizmente imitamos: o que

é útil pouco; o que é inútil muito.

Apareceu ontem nas mãos dos guardas-civis, um pauzinho longo,

de dois palmos, roliço e preto.

É o cassetete, uma espécie de lei em pinho-de-riga: a imagem do

sr. Belisário (Chefe de Polícia), cor de São Benedito.

Num país militarizado como o nosso, ficará sendo o cassetete a

espada da polícia civil, uma espada sem lâmina e sem fio, mas

nem por isso menos tremenda e fatal que a outra.

No país do “não pode”, entretanto, essa durindana é um lindo

pretexto decorativo a serviço do nosso prodigioso senso de

imitação.

Na verdade, de que servirá o cassetete nos dias chamados de

“arrocho” num ângulo escuro da Saúde ou da Gamboa, a dominar

um conflito entre capadócios desordeiros? Nada.

Mas é necessário que a gente veja que a polícia quer fazer alguma

coisa, que ela se mune, ao menos, de todas as armas modernas

para a defesa dos bons costumes.”

Apesar das brincadeiras do jornalista, é inegável que o

utensílio, já em uso na Europa e nos Estados Unidos, era mais

um meio suasório a serviço do policial.

O Diretor da Guarda Civil, delegado de polícia Cláudio

Vieira Peixoto, na “Revista Arquivos do D.F.S.P.” nº 10, vol.

II de 1946, descreveu a sua evolução após quarenta e dois

anos de existência, exercendo o policiamento ostensivo e auxiliando

na manutenção da ordem pública:

“O seu efetivo tem evoluído com os diversos aumentos, na

conformidade dos créditos orçamentários. Em nossos dias é

de 2.500 homens o número completo dos guardas-civis. De

modo geral, dividem-se eles por dois ramos de serviços: policiamento

e tráfego, ficando os do primeiro subordinado diretamente

à Guarda Civil e os do segundo ao serviço de trânsito

do D.F.S.P.”

“Aos primórdios da sua existência competia à Guarda Civil policiar

o centro da cidade. Os subúrbios eram então acometidos

à Brigada Policial. Gradualmente, porém, foi-se ampliando a

esfera das suas atribuições e hoje está difundido o policiamento

da G.C. por todo o Distrito Federal.

De Copacabana ao longínquo subúrbio de Bangu, abrangendo

a faixa da E.F. Leopoldina, dispomos de 16 seções descentralizadas,

que se denominam Grupos Distritais.”

          Guarnição do Socorro Urgente

Referiu-se, mais adiante, ao socorro policial, criado

em 8 de agosto de 1939, serviço de emergência da Guarda

Civil, constituído de equipes de seis guardas motorizados

em camionetes de fabricação norte-americana da marca

Ford Woody, distribuídas por diversos pontos da cidade

e acrescenta: “o pessoal é selecionado e os Chefes de

Guarnições são convenientemente instruídos, respondendo

solidariamente com os seus subordinados pelos excessos que

porventura pratiquem.

Nessas condições, mesmo nessa modalidade de policiamento,

não se modificam a urbanidade e a correção do

guarda-civil de ronda, com o qual já se habituou a pacata

população desta cidade que o respeita e admira”.

Com 20 dias de existência, as equipes do “Socorro

Urgente” compareceram em 201 chamados relacionados a

desordens – 16, alcoolismo – 31, agressões – 22, futebol na

via pública – 63, perturbação do silêncio na via pública – 17,

ofensas à moral pública – 10, detenção e remoção de loucos

da via pública – 2, providências sobre o desaparecimento de

menores – 7, violação de domicílio – 4, furtos de automóveis

– 3, jogo na via pública – 6, apedrejamento de residências – 4,

tiros na via pública – 2, vias de fato – 4, prisão de assaltante

– 1, tentativa de rapto – 1, socorros a pedido de diversos

departamentos policiais – 8. Os variados tipos de solicitações

contribuem para indicar as tendências do comportamento

urbano na cidade do Rio de Janeiro da época, quando a população

atingia cerca de 1.800.000 habitantes.

O bom relacionamento entre os guardas-civis e os moradores

dos bairros, onde rondavam, aproximava a polícia

dos cidadãos e gerava um sentimento de confiança e gratidão.

Manifestações de consideração e afeto passaram a ser comuns.

Conta-se que uma senhora moradora da Rua Bambina

em Botafogo, depois de acompanhar por muitos anos o trabalho

dedicado do guarda-civil da área, resolveu incluí-lo

no testamento, aquinhoando-o com o imóvel onde morava.

Falecida a bondosa testadora, foram abertas as suas últimas

disposições e, dentre elas, estava destinada a casa da Rua

Bambina para o guarda-civil da rua. Como o documento, mal

redigido no tabelionato, não explicitasse o nome do guarda, o

governo interpretou-o como sendo um benefício destinado à

Guarda Civil e o incorporou para sede de um distrito policial.

Ganhou a Polícia Civil um novo prédio e perdeu o humilde

servidor público a oportunidade de usufruir do valioso bem.

O guarda-civil, o funcionário civil uniformizado, era

bem recebido e aceito por seus concidadãos no desempenho

do serviço policial realizado no âmbito da sociedade.

Era, pois, um civil, representante da autoridade civil se entendendo

com outros civis, sobre assuntos de natureza civil

num mundo civil.

A Guarda contribuiu para manter no Brasil o ordenamento

adotado no exterior, que une sob a coordenação da

mesma delegacia (com as suas diversas denominações locais:

precinct, commissariato, commissariat, comisaría etc.) as atividades

de polícia judiciária e os serviços de policiamento ostensivo

(uniformizado) da respectiva circunscrição policial. É

o modelo padrão cujo êxito decorre do trabalho colaborativo

dos dois segmentos, reunindo esforços para o combate à incidência

criminal em determinada área policial. O governo

militar, iniciado em 1964, resolveu extingui-la, ignorando as

exigências de um sistema de segurança pública racional.

           O ditador Costa e Silva deliberou retirar o policiamento civil das ruas.



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