Dando cumprimento à Lei nº 947 de 29 de dezembro de
1902, que criou a Guarda Civil do Distrito Federal, o
Chefe de Polícia Antônio Augusto Cardoso de Castro, em 24
de fevereiro de 1904, inaugurou os serviços da corporação
policial com 150 homens em uniformes, destinados ao policiamento
do centro da cidade do Rio de Janeiro.
Foi inspirada na Guarda Urbana da Polícia da Corte criada
em 1866 e cuja existência se estendeu até a Proclamação da
República (não confundir a Guarda Urbana com os “urbanos”
de período anterior e com outra natureza). A nova corporação,
integrada por servidores de estatuto civil, consoante com
a função policial que é de natureza civil, estava subordinada
ao ramo civil da administração no âmbito do Ministério do
Interior e da Polícia Civil do Distrito Federal.
No ano inaugural, foi intenso o trabalho da Guarda. As
agitações populares decorrentes da Revolta da Vacina mantiveram
os policiais nas ruas reprimindo os excessos. Tornouse
necessário o uso de armamento longo, não previsto, como
os fuzis Comblain.
Encarregados da segurança do gasômetro no antigo
Campo de Marte, os policiais se viram obrigados a enfrentar
a fúria dos arruaceiros, que tudo depredavam causando
inumeráveis prejuízos à cidade. Em um violento combate,
conseguiram impedir a turba de apoderar-se das instalações
ao custo de inúmeros feridos, dentre os quais três policiais
atingidos pelas balas dos amotinados e da morte do guarda
Domingos Gusmão de Azevedo Fernandes, o primeiro mártir
da corporação.
Esse início belicoso, forçado pelas circunstâncias, contrastou
com a finalidade pacífica e civilizatória da Guarda
constituída de funcionários civis para serviço dos seus concidadãos,
dedicados à proteção das pessoas e à manutenção da
paz nas ruas.
Em 1910, a publicação mensal “Brazil Magazine”, nº 54,
ano V, em artigo sobre a Polícia Civil do Distrito Federal, assim
se referiu à corporação em tela:
“A Guarda Civil, com o seu pessoal corretamente fardado,
limpo e cortes, dedicado e incansável, desde o seu início
conquistou as simpatias públicas e se torna uma instituição
benemérita.”
Guardas-civis de 1911
O uso do uniforme pelo policial civil decorre da necessidade
de pronta identificação nos locais públicos, onde está
exercendo as suas funções. É usado em todas as polícias do
mundo e trajá-lo é motivo de orgulho para os bons funcionários,
fiéis cumpridores da Lei e objeto da admiração do
cidadão, testemunha dos serviços prestados com correção.
Vesti-lo não os torna militares.
Na edição de 18 de agosto de 1911, o jornal oposicionista
“Correio da Manhã” noticiava de forma jocosa a adoção
dos cassetetes como equipamento padrão dos guardas, o qual
apelidava de “São Benedito”.
“Nós somos os heróis da imitação. Infelizmente imitamos: o que
é útil pouco; o que é inútil muito.
Apareceu ontem nas mãos dos guardas-civis, um pauzinho longo,
de dois palmos, roliço e preto.
É o cassetete, uma espécie de lei em pinho-de-riga: a imagem do
sr. Belisário (Chefe de Polícia), cor de São Benedito.
Num país militarizado como o nosso, ficará sendo o cassetete a
espada da polícia civil, uma espada sem lâmina e sem fio, mas
nem por isso menos tremenda e fatal que a outra.
No país do “não pode”, entretanto, essa durindana é um lindo
pretexto decorativo a serviço do nosso prodigioso senso de
imitação.
Na verdade, de que servirá o cassetete nos dias chamados de
“arrocho” num ângulo escuro da Saúde ou da Gamboa, a dominar
um conflito entre capadócios desordeiros? Nada.
Mas é necessário que a gente veja que a polícia quer fazer alguma
coisa, que ela se mune, ao menos, de todas as armas modernas
para a defesa dos bons costumes.”
Apesar das brincadeiras do jornalista, é inegável que o
utensílio, já em uso na Europa e nos Estados Unidos, era mais
um meio suasório a serviço do policial.
O Diretor da Guarda Civil, delegado de polícia Cláudio
Vieira Peixoto, na “Revista Arquivos do D.F.S.P.” nº 10, vol.
II de 1946, descreveu a sua evolução após quarenta e dois
anos de existência, exercendo o policiamento ostensivo e auxiliando
na manutenção da ordem pública:
“O seu efetivo tem evoluído com os diversos aumentos, na
conformidade dos créditos orçamentários. Em nossos dias é
de 2.500 homens o número completo dos guardas-civis. De
modo geral, dividem-se eles por dois ramos de serviços: policiamento
e tráfego, ficando os do primeiro subordinado diretamente
à Guarda Civil e os do segundo ao serviço de trânsito
do D.F.S.P.”
“Aos primórdios da sua existência competia à Guarda Civil policiar
o centro da cidade. Os subúrbios eram então acometidos
à Brigada Policial. Gradualmente, porém, foi-se ampliando a
esfera das suas atribuições e hoje está difundido o policiamento
da G.C. por todo o Distrito Federal.
De Copacabana ao longínquo subúrbio de Bangu, abrangendo
a faixa da E.F. Leopoldina, dispomos de 16 seções descentralizadas,
que se denominam Grupos Distritais.”
Guarnição do Socorro Urgenteem 8 de agosto de 1939, serviço de emergência da Guarda
Civil, constituído de equipes de seis guardas motorizados
em camionetes de fabricação norte-americana da marca
Ford Woody, distribuídas por diversos pontos da cidade
e acrescenta: “o pessoal é selecionado e os Chefes de
Guarnições são convenientemente instruídos, respondendo
solidariamente com os seus subordinados pelos excessos que
porventura pratiquem.
Nessas condições, mesmo nessa modalidade de policiamento,
não se modificam a urbanidade e a correção do
guarda-civil de ronda, com o qual já se habituou a pacata
população desta cidade que o respeita e admira”.
Com 20 dias de existência, as equipes do “Socorro
Urgente” compareceram em 201 chamados relacionados a
desordens – 16, alcoolismo – 31, agressões – 22, futebol na
via pública – 63, perturbação do silêncio na via pública – 17,
ofensas à moral pública – 10, detenção e remoção de loucos
da via pública – 2, providências sobre o desaparecimento de
menores – 7, violação de domicílio – 4, furtos de automóveis
– 3, jogo na via pública – 6, apedrejamento de residências – 4,
tiros na via pública – 2, vias de fato – 4, prisão de assaltante
– 1, tentativa de rapto – 1, socorros a pedido de diversos
departamentos policiais – 8. Os variados tipos de solicitações
contribuem para indicar as tendências do comportamento
urbano na cidade do Rio de Janeiro da época, quando a população
atingia cerca de 1.800.000 habitantes.
O bom relacionamento entre os guardas-civis e os moradores
dos bairros, onde rondavam, aproximava a polícia
dos cidadãos e gerava um sentimento de confiança e gratidão.
Manifestações de consideração e afeto passaram a ser comuns.
Conta-se que uma senhora moradora da Rua Bambina
em Botafogo, depois de acompanhar por muitos anos o trabalho
dedicado do guarda-civil da área, resolveu incluí-lo
no testamento, aquinhoando-o com o imóvel onde morava.
Falecida a bondosa testadora, foram abertas as suas últimas
disposições e, dentre elas, estava destinada a casa da Rua
Bambina para o guarda-civil da rua. Como o documento, mal
redigido no tabelionato, não explicitasse o nome do guarda, o
governo interpretou-o como sendo um benefício destinado à
Guarda Civil e o incorporou para sede de um distrito policial.
Ganhou a Polícia Civil um novo prédio e perdeu o humilde
servidor público a oportunidade de usufruir do valioso bem.
O guarda-civil, o funcionário civil uniformizado, era
bem recebido e aceito por seus concidadãos no desempenho
do serviço policial realizado no âmbito da sociedade.
Era, pois, um civil, representante da autoridade civil se entendendo
com outros civis, sobre assuntos de natureza civil
num mundo civil.
A Guarda contribuiu para manter no Brasil o ordenamento
adotado no exterior, que une sob a coordenação da
mesma delegacia (com as suas diversas denominações locais:
precinct, commissariato, commissariat, comisaría etc.) as atividades
de polícia judiciária e os serviços de policiamento ostensivo
(uniformizado) da respectiva circunscrição policial. É
o modelo padrão cujo êxito decorre do trabalho colaborativo
dos dois segmentos, reunindo esforços para o combate à incidência
criminal em determinada área policial. O governo
militar, iniciado em 1964, resolveu extingui-la, ignorando as
exigências de um sistema de segurança pública racional.
O ditador Costa e Silva deliberou retirar o policiamento civil das ruas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário