sábado, 5 de fevereiro de 2022

A NOVA POLÍCIA DA REPÚBLICA


Desde o início do século XX, exerciam o cargo de Chefe

de Polícia do Distrito Federal juristas, dotados de vasta

ilustração e capacidade de trabalho, dos quais se valeu o governo

da República para reorganizar a polícia para o estado

democrático de direito, destinada a exercer as suas funções

adstritas aos ditames legais com respeito às garantias do cidadão,

priorizando o aperfeiçoamento profissional, a investigação

competente e o emprego dos conhecimentos científicos

oferecidos pelo progresso da época.

De 1900 até 1910 passaram pelo importante cargo, Enéas

Galvão, Edmundo Muniz Barreto, Antônio Augusto Cardoso

de Castro, Manoel José Espínola, Alfredo Pinto Vieira de

Mello e Carolino Leoni Ramos, todos alçados, depois, ao cargo

de Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Tiveram visão para introduzir no Distrito Federal o

modelo de polícia judiciária contemporânea, à semelhança

de outros países que melhor a organizavam. Tornou-se

conhecido na Europa o empenho de Georges Clémenceau,

Presidente do Conselho da Terceira República Francesa

e Ministro do Interior (1906-1919), para institucionalizar

a polícia judiciária e dotar o seu país “de um organismo

necessário à preservação social, competente e adequado para

levar à autoridade judiciária os conhecimentos indispensáveis

para a repressão das infrações penais”.

Portanto, a reforma policial procurou privilegiar o trabalho

da polícia judiciária, incentivando o desenvolvimento

da investigação profissional e ética realizada por seus Agentes

com o apoio dos subsídios fornecidos pelos órgãos periciais.

A investigação policial bem sucedida como resultado do

trabalho realizado

pelo investigador habilitado com os conhecimentos

transmitidos pela Escola de Polícia, para esclarecer

as infrações penais, indicar os autores, colher a prova e

elementos necessários à efetivação de uma prisão autorizada

pela lei. Os fundamentos da prisão a precederiam, não seria

admitida a prisão como meio investigatório. Cumprir-se-iam

as práticas civilizadas de um estado democrático.

O governo passou a criar a estrutura e os meios materiais

para tornar exequível as ideias renovadoras. O Decreto

nº 1.631, de 3 de janeiro de 1907, que autorizou a reformar o

serviço policial, atualizou as disposições do Decreto nº 4.763,

de 5 de fevereiro de 1903, e redefiniu o quadro de pessoal e

suas funções.

         A nova Central de Polícia de 1910

Entre os anos de 1908 e 1910, foi concluída a obra da nova

central de polícia, que a par de possibilitar a realocação dos

serviços centrais do velho imóvel da Rua do Lavradio, criou

espaço amplo e moderno para a expansão das atividades.

Inaugurado em 5 de novembro de 1910 com a presença

do Presidente da República Nilo Peçanha, o prédio da

“Polícia Central”, na Rua da Relação, foi planejado e construído

nesse momento de reforma da Polícia Civil e de modernização

da própria cidade do Rio de Janeiro por meio da

obra de embelezamento e saneamento de Pereira Passos e de

Rodrigues Alves.

As novas instalações abrigavam o gabinete do Chefe de

Polícia e demais repartições importantes da instituição. Nele,

foram logo instaladas as três delegacias auxiliares, a Secretaria

de Polícia (atual Secretaria Administrativa), os gabinetes periciais,

o Corpo de Investigação e Segurança Pública, a direção

da Guarda Civil e da Inspetoria do Tráfego. Dois anos depois,

no mesmo prédio, surgiram a Escola de Polícia Científica do

Rio de Janeiro e o Museu do Crime, também previstos no projeto

de construção.

O prédio foi idealizado em primoroso estilo eclético

francês pelo premiado arquiteto Heitor de Mello, para, segundo

diretrizes governamentais, simbolizar a importância

da instituição policial e sediar uma polícia moderna a serviço

do estado democrático. Construído junto da via pública,

com ampla entrada e muitas janelas, sem subterrâneos nem

masmorras, destinava-se a ser um local aberto à fiscalização

da sociedade. O estabelecimento do Museu do Crime (hoje

Museu da Polícia Civil) sob a abóbada do último andar franqueava

ao público visita à nova “Polícia Central”.


           Foto de uma das salas de aula da Escola de Polícia de 1912

A Escola de Polícia, situada no pavimento térreo, teve

como primeiro diretor o professor Elísio de Carvalho, cientista

social e entusiasta do ensino policial. Cursos de formação e

aperfeiçoamento foram criados para o pessoal de investigação

formado pelos integrantes do Corpo de Segurança Pública.

Elísio de Carvalho reproduziu no “Boletim Policial” um

trecho do artigo de Alexandre Lacassagne, publicado na famosa

revista de Lion, “Archives d’Anthropologie Criminelle”,

em junho de 1913:

“O Rio de Janeiro dá exemplo ao Velho Mundo organizando

uma Escola da Polícia que é um modelo admirável, quer quanto

à instalação, quer quanto ao aparelhamento.

Desde muito tempo possuía o Rio de Janeiro um serviço médico-

legal dirigido pelo Dr. Afrânio Peixoto, do qual tive o ensejo

de falar em “Crônica Latina”, de 1906. Possuía demais

o Distrito Federal um serviço de identificação, facultando a

identificação dos criminosos, as perícias de fotografia judiciária,

a identificação civil, a estatística criminal e a publicação

do excelente Boletim Policial. Introduziu-se a datiloscopia

Vucetich que, substituindo a antropometria pelo decreto de 5

de janeiro de 1905, dera os melhores resultados. A Escola de

Polícia vem completar esse conjunto.”

           O guarda-civil de 1904

A Guarda Civil foi mecanismo de preservação da ordem

pública, contribuindo para projetar a presença do distrito policial

em toda a área da sua circunscrição por meio do agente

uniformizado, coadjuvante das investigações pelo amplo conhecimento

adquirido do espaço policiado.

O Corpo de Investigação e Segurança Pública com a

atuação investigativa dos agentes de segurança pública, admitidos

por meio de prova de seleção e profissionalizados em

cursos específicos da Escola de Polícia.

A Polícia Marítima, exercida pela Inspetoria de Polícia

Marítima, destinada ao policiamento da Baia de Guanabara,

navios e portos, passou a impedir a entrada pelo mar de indivíduos

reconhecidamente criminosos, os quais se somariam à

delinquência já existente na cidade.

           Uma das lanchas de Polícia Marítima

A Colônia Correcional de Dois Rios “onde a pena se

transformava no trabalho regenerador e na aprendizagem

de ofícios compensadores” (Relatório do Chefe de Polícia –

Boletim Policial, 1908, 1º trimestre, p. 14/19).

O governo da República mostrou o seu cuidado seletivo

em relação aos nomes para ocupar o cargo de delegado de

polícia, destinando o importante posto para bacharéis reconhecidos

como confiáveis, pela competência e irrepreensível

conduta. Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda ocupou até

1910 a titularidade do 28º Distrito Policial – Ilhas, deixando-a

para se tornar pretor. Mais tarde, seria professor, diplomata,

ensaísta, membro da Academia Brasileira de Letras e o maior

jurista brasileiro do século XX, autor do Tratado de Direito

Privado com 60 volumes.

       Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda deixou a sua marca na Polícia Civil

É substituído pelo advogado José Antônio Flores da

Cunha que, durante a Revolução de 30, tornou-se Interventor

do Estado do Rio Grande do Sul e, após, governador eleito.

Raul Paranhos Pederneiras, mais tarde caricaturista, pintor,

escritor, teatrólogo, compositor e professor, com exercício na

função a partir de março de 1900 na 16ª Circunscrição Policial

– Engenho Novo. Henrique José do Carmo Neto Filho, nomeado

delegado do 14º Distrito Policial – Santana, exerceu

por longos anos a carreira policial. Carmo Neto era cronista,

pesquisador e historiador, legando grande parte dos conhecimentos

da História da Polícia decorrente do seu trabalho.

Nelson Hungria Hoffbauer foi delegado da Polícia Civil do

Distrito Federal até 1924. Ingressou na magistratura como

pretor, foi professor de Direito Penal, Ministro do Supremo

Tribunal Federal, participou da elaboração do Código Penal,

do Código de Processo Penal, da Lei das Contravenções Penais

e da Lei de Economia Popular. Para não prolongar uma longa

lista de valores, oportuna a menção do nome de Joaquim

Pedro Salgado Filho, delegado da 4ª Delegacia Auxiliar até

1932 e, mais tarde, em 20 de janeiro de 1941, fundador do

Ministério da Aeronáutica e seu primeiro ministro.

Os cargos da polícia eram de livre nomeação e exoneração

do Chefe de Polícia na forma prescrita pelo Decreto nº

1.631, de 1907. Havia as exceções do § 2º, inciso 4º, do artigo

2º, que exigiam habilitação especial e prova para provimento

dos cargos de Comissário, Inspetor, Subinspetor e Agente de

Segurança Pública. Para estes últimos, o § 3º proibia a publicação

das suas nomeações. Acreditava-se que a publicidade

poderia prejudicar o sigilo das futuras investigações a

serem realizadas pelos agentes do Corpo de Investigação e

Segurança Pública.

Segundo o artigo 201 do supracitado Regulamento” o

Corpo de Investigação e Segurança Pública era uma instituição

de agentes indispensáveis ao serviço de prevenção, investigação

e vigilância policial, proteção dos direitos individuais e

manutenção da ordem pública e compor-se-ia de um inspetor

e oitenta agentes.”

O mesmo Regulamento tornou incompatíveis os cargos

da polícia e da magistratura. Seria considerada como renúncia

do cargo a aceitação pelo magistrado da nomeação para

cargo policial e vice-versa.

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