Desde o início do século XX, exerciam o cargo de Chefe
de Polícia do Distrito Federal juristas, dotados de vasta
ilustração e capacidade de trabalho, dos quais se valeu o governo
da República para reorganizar a polícia para o estado
democrático de direito, destinada a exercer as suas funções
adstritas aos ditames legais com respeito às garantias do cidadão,
priorizando o aperfeiçoamento profissional, a investigação
competente e o emprego dos conhecimentos científicos
oferecidos pelo progresso da época.
De 1900 até 1910 passaram pelo importante cargo, Enéas
Galvão, Edmundo Muniz Barreto, Antônio Augusto Cardoso
de Castro, Manoel José Espínola, Alfredo Pinto Vieira de
Mello e Carolino Leoni Ramos, todos alçados, depois, ao cargo
de Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Tiveram visão para introduzir no Distrito Federal o
modelo de polícia judiciária contemporânea, à semelhança
de outros países que melhor a organizavam. Tornou-se
conhecido na Europa o empenho de Georges Clémenceau,
Presidente do Conselho da Terceira República Francesa
e Ministro do Interior (1906-1919), para institucionalizar
a polícia judiciária e dotar o seu país “de um organismo
necessário à preservação social, competente e adequado para
levar à autoridade judiciária os conhecimentos indispensáveis
para a repressão das infrações penais”.
Portanto, a reforma policial procurou privilegiar o trabalho
da polícia judiciária, incentivando o desenvolvimento
da investigação profissional e ética realizada por seus Agentes
com o apoio dos subsídios fornecidos pelos órgãos periciais.
A investigação policial bem sucedida como resultado do
trabalho realizado
pelo investigador habilitado com os conhecimentos
transmitidos pela Escola de Polícia, para esclarecer
as infrações penais, indicar os autores, colher a prova e
elementos necessários à efetivação de uma prisão autorizada
pela lei. Os fundamentos da prisão a precederiam, não seria
admitida a prisão como meio investigatório. Cumprir-se-iam
as práticas civilizadas de um estado democrático.
O governo passou a criar a estrutura e os meios materiais
para tornar exequível as ideias renovadoras. O Decreto
nº 1.631, de 3 de janeiro de 1907, que autorizou a reformar o
serviço policial, atualizou as disposições do Decreto nº 4.763,
de 5 de fevereiro de 1903, e redefiniu o quadro de pessoal e
suas funções.
A nova Central de Polícia de 1910Entre os anos de 1908 e 1910, foi concluída a obra da nova
central de polícia, que a par de possibilitar a realocação dos
serviços centrais do velho imóvel da Rua do Lavradio, criou
espaço amplo e moderno para a expansão das atividades.
Inaugurado em 5 de novembro de 1910 com a presença
do Presidente da República Nilo Peçanha, o prédio da
“Polícia Central”, na Rua da Relação, foi planejado e construído
nesse momento de reforma da Polícia Civil e de modernização
da própria cidade do Rio de Janeiro por meio da
obra de embelezamento e saneamento de Pereira Passos e de
Rodrigues Alves.
As novas instalações abrigavam o gabinete do Chefe de
Polícia e demais repartições importantes da instituição. Nele,
foram logo instaladas as três delegacias auxiliares, a Secretaria
de Polícia (atual Secretaria Administrativa), os gabinetes periciais,
o Corpo de Investigação e Segurança Pública, a direção
da Guarda Civil e da Inspetoria do Tráfego. Dois anos depois,
no mesmo prédio, surgiram a Escola de Polícia Científica do
Rio de Janeiro e o Museu do Crime, também previstos no projeto
de construção.
O prédio foi idealizado em primoroso estilo eclético
francês pelo premiado arquiteto Heitor de Mello, para, segundo
diretrizes governamentais, simbolizar a importância
da instituição policial e sediar uma polícia moderna a serviço
do estado democrático. Construído junto da via pública,
com ampla entrada e muitas janelas, sem subterrâneos nem
masmorras, destinava-se a ser um local aberto à fiscalização
da sociedade. O estabelecimento do Museu do Crime (hoje
Museu da Polícia Civil) sob a abóbada do último andar franqueava
ao público visita à nova “Polícia Central”.
Foto de uma das salas de aula da Escola de Polícia de 1912
A Escola de Polícia, situada no pavimento térreo, teve
como primeiro diretor o professor Elísio de Carvalho, cientista
social e entusiasta do ensino policial. Cursos de formação e
aperfeiçoamento foram criados para o pessoal de investigação
formado pelos integrantes do Corpo de Segurança Pública.
Elísio de Carvalho reproduziu no “Boletim Policial” um
trecho do artigo de Alexandre Lacassagne, publicado na famosa
revista de Lion, “Archives d’Anthropologie Criminelle”,
em junho de 1913:
“O Rio de Janeiro dá exemplo ao Velho Mundo organizando
uma Escola da Polícia que é um modelo admirável, quer quanto
à instalação, quer quanto ao aparelhamento.
Desde muito tempo possuía o Rio de Janeiro um serviço médico-
legal dirigido pelo Dr. Afrânio Peixoto, do qual tive o ensejo
de falar em “Crônica Latina”, de 1906. Possuía demais
o Distrito Federal um serviço de identificação, facultando a
identificação dos criminosos, as perícias de fotografia judiciária,
a identificação civil, a estatística criminal e a publicação
do excelente Boletim Policial. Introduziu-se a datiloscopia
Vucetich que, substituindo a antropometria pelo decreto de 5
de janeiro de 1905, dera os melhores resultados. A Escola de
Polícia vem completar esse conjunto.”
O guarda-civil de 1904A Guarda Civil foi mecanismo de preservação da ordem
pública, contribuindo para projetar a presença do distrito policial
em toda a área da sua circunscrição por meio do agente
uniformizado, coadjuvante das investigações pelo amplo conhecimento
adquirido do espaço policiado.
O Corpo de Investigação e Segurança Pública com a
atuação investigativa dos agentes de segurança pública, admitidos
por meio de prova de seleção e profissionalizados em
cursos específicos da Escola de Polícia.
A Polícia Marítima, exercida pela Inspetoria de Polícia
Marítima, destinada ao policiamento da Baia de Guanabara,
navios e portos, passou a impedir a entrada pelo mar de indivíduos
reconhecidamente criminosos, os quais se somariam à
delinquência já existente na cidade.
Uma das lanchas de Polícia MarítimaA Colônia Correcional de Dois Rios “onde a pena se
transformava no trabalho regenerador e na aprendizagem
de ofícios compensadores” (Relatório do Chefe de Polícia –
Boletim Policial, 1908, 1º trimestre, p. 14/19).
O governo da República mostrou o seu cuidado seletivo
em relação aos nomes para ocupar o cargo de delegado de
polícia, destinando o importante posto para bacharéis reconhecidos
como confiáveis, pela competência e irrepreensível
conduta. Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda ocupou até
1910 a titularidade do 28º Distrito Policial – Ilhas, deixando-a
para se tornar pretor. Mais tarde, seria professor, diplomata,
ensaísta, membro da Academia Brasileira de Letras e o maior
jurista brasileiro do século XX, autor do Tratado de Direito
Privado com 60 volumes.
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda deixou a sua marca na Polícia CivilÉ substituído pelo advogado José Antônio Flores da
Cunha que, durante a Revolução de 30, tornou-se Interventor
do Estado do Rio Grande do Sul e, após, governador eleito.
Raul Paranhos Pederneiras, mais tarde caricaturista, pintor,
escritor, teatrólogo, compositor e professor, com exercício na
função a partir de março de 1900 na 16ª Circunscrição Policial
– Engenho Novo. Henrique José do Carmo Neto Filho, nomeado
delegado do 14º Distrito Policial – Santana, exerceu
por longos anos a carreira policial. Carmo Neto era cronista,
pesquisador e historiador, legando grande parte dos conhecimentos
da História da Polícia decorrente do seu trabalho.
Nelson Hungria Hoffbauer foi delegado da Polícia Civil do
Distrito Federal até 1924. Ingressou na magistratura como
pretor, foi professor de Direito Penal, Ministro do Supremo
Tribunal Federal, participou da elaboração do Código Penal,
do Código de Processo Penal, da Lei das Contravenções Penais
e da Lei de Economia Popular. Para não prolongar uma longa
lista de valores, oportuna a menção do nome de Joaquim
Pedro Salgado Filho, delegado da 4ª Delegacia Auxiliar até
1932 e, mais tarde, em 20 de janeiro de 1941, fundador do
Ministério da Aeronáutica e seu primeiro ministro.
Os cargos da polícia eram de livre nomeação e exoneração
do Chefe de Polícia na forma prescrita pelo Decreto nº
1.631, de 1907. Havia as exceções do § 2º, inciso 4º, do artigo
2º, que exigiam habilitação especial e prova para provimento
dos cargos de Comissário, Inspetor, Subinspetor e Agente de
Segurança Pública. Para estes últimos, o § 3º proibia a publicação
das suas nomeações. Acreditava-se que a publicidade
poderia prejudicar o sigilo das futuras investigações a
serem realizadas pelos agentes do Corpo de Investigação e
Segurança Pública.
Segundo o artigo 201 do supracitado Regulamento” o
Corpo de Investigação e Segurança Pública era uma instituição
de agentes indispensáveis ao serviço de prevenção, investigação
e vigilância policial, proteção dos direitos individuais e
manutenção da ordem pública e compor-se-ia de um inspetor
e oitenta agentes.”
O mesmo Regulamento tornou incompatíveis os cargos
da polícia e da magistratura. Seria considerada como renúncia
do cargo a aceitação pelo magistrado da nomeação para
cargo policial e vice-versa.
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