segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

ASSASSINATO DO SENADOR PINHEIRO MACHADO


“José Gomes Pinheiro Machado nasceu em 8 de maio de 1851,

em Cruz Alta, Rio Grande do Sul. Era filho do Dr. Antônio

Gomes Pinheiro Machado e de Dona Maria Manuela de

Oliveira Ayres, ambos naturais de São Paulo.

Desde a adolescência, José Gomes deu inequívocas provas de seu

mais puro amor à Pátria. Aos 15 anos incompletos, aluno da

Escola Preparatória, anexa à Escola Militar da Corte, abandonou

seus estudos, sem consentimento das autoridades superiores

e, com o desconhecimento dos seus pais, alistou-se no legendário

Corpo de Voluntários da Pátria como soldado do 4.º Corpo de

Caçadores a Cavalo, na luta às hordas paraguaias que haviam

invadido o solo brasileiro. Durante quase três anos, suportou as

dificuldades de uma luta feroz em clima insalubre e retirou-se somente

quando o seu organismo em formação não pode resistir

por mais tempo aos miasmas pestíferos dos pântanos paraguaios.

             Senador Pinheiro Machado

Afastado do serviço do Exército, matriculou-se na Academia

de Direito de São Paulo em 1874, época em que as ideias

republicanas empolgavam a mocidade acadêmica e a nacionalidade,

sendo de notar que se verificou esse acontecimento três

anos após o lançamento do Manifesto Republicano de 2 de dezembro

de 1870, no Rio de Janeiro, e alguns meses da fundação

do Partido Republicano Paulista.

Apaixonado pelo credo republicano, Pinheiro se tornou, desde

cedo, um dos mais ardorosos propagandistas do novo regime.

Fundou com outros estudantes, em julho de 1876, o

Clube Republicano Acadêmico e o jornal “A República”, do

qual foi redator.

Em 5 de agosto de 1876, contraiu núpcias com a paulistana

Benedita Brazilina da Silva e, em 5 de novembro de 1878, recebeu

o grau de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais.

‘’Depois de haver concluído com brilhantismo o seu tirocínio

acadêmico em São Paulo – diz Júlio de Castilhos – onde

honrou sempre o histórico renome riograndense, pelo talento,

pelo estudo e pela probidade de conduta pessoal’’, Pinheiro

Machado regressou à Imperial Província do Rio Grande do Sul,

prosseguindo com redobrado vigor na evangelização da ideia

democrática, fiel ao programa traçado pelos pró-homens do movimento

republicano.

Em São Luiz das Missões (atual São Luiz Gonzaga), onde

se fixou com banca de advocacia, fundou o primeiro Clube

Republicano do Rio Grande e foi o seu primeiro presidente. A

seguir, em 23 de fevereiro de 1882, com Venâncio Ayres, Júlio

de Castilhos, Demétrio Ribeiro, Alcides Lima, Apolinário Porto

Alegre, Ramiro Barcelos, Luiz Lesseigner, Assis Brasil e José

Pedro Alves, fundou o Partido Republicano Riograndense, que,

inesquecíveis e fulgurantes serviços prestou no combate ao regime

monárquico.

Os trabalhos desses incansáveis republicanos não se limitaram

somente ao campo das discussões doutrinárias, avançaram até

a coordenação de forças para uma ação mais enérgica que assegurasse

o pronto estabelecimento do regime que ora desfrutamos.

Neste particular, a figura de Pinheiro Machado sobressai

pela sua ação vigilante, ativa e desassombrada.

Proclamada a República e convocada a Constituinte, foi

eleito, por escolha e imposição do Partido Republicano

Riograndense, senador federal, cargo que exerceu até o seu trágico

desaparecimento.

No Governo de Floriano Peixoto, quando elementos conturbados

pelo ódio pretenderam aniquilar o regime vitorioso em 15

de novembro de 1889, desencadeando a Revolução Federalista,

Pinheiro Machado deixou a sua cadeira no Senado Federal e

atirou-se à luta em defesa dos sacrossantos ideais que, com ingentes

sacrifícios, conseguiu implantar no País. Fiel aos rumos

traçados na Carta de 24 de fevereiro de 1891, empenhou-se na

mais rude guerra fratricida que registra a história republicana.

Durante dois anos de luta árdua, nas agrestes coxilhas do sul,

sempre à frente da legendária Divisão do Norte por ele organizada,

deu as mais notáveis provas de bravura e de abnegação

em prol da legalidade.

O General Rodrigues Lima prestou valioso depoimento com respeito

à figura homérica de Pinheiro após a célebre batalha de

Inhanduí, afirmando:

‘’Quanto ao que fez o Senador Pinheiro Machado, limito-me a

dizer: ele personificou no momento o dever cívico. Sua atividade

desdobrou-se em todos os pontos da linha. Sua presença esteve em

toda parte. Sua palavra de entusiasmo, de animação e conforto foi

ouvida por todos. Seus exemplos foram seguidos pelos mais bravos’’.

Foi com justiça, pois, que o insigne Marechal Floriano, em

9 de maio de 1894, elevou esse bravo soldado da República

ao posto de General de brigada, “atendendo aos relevantes

serviços militares por ele prestados desde o começo da revolta

até hoje, no Rio Grande do Sul, já organizando forças, já as

levando a combate, com valor e proficiência de experimentado

Chefe”.

Graças à ação enérgica e persistente desse abnegado cidadão

soldado, coadjuvado pela ação patriótica de Júlio de Castilhos,

pôde o “Marechal de Ferro” consolidar a República Brasileira.

Partidário intransigente de uma política conservadora voltada

para a preservação do regime republicano, foi Pinheiro Machado

o baluarte com que sempre contaram os governos de Prudente

de Moraes, Campos Sales, Rodrigues Alves e Afonso Pena, na

defesa e manutenção da disciplina e da ordem legal.

No conturbado período presidencial do honrado Marechal

Hermes da Fonseca, melhor se fez sentir a ação vigilante e enérgica

do eminente chefe gaúcho em prol do respeito aos postulados

constitucionais, tornando-o, porém, alvo da mais agitada e

intensa campanha política dos anais republicanos.

Dentre os serviços prestados por Pinheiro Machado à causa

pública, cumpre assinalar ainda o que se refere à educação

cívica nacional. A fundação do PARTIDO REPUBLICANO

CONSERVADOR representa, sem dúvida, um dos primeiros

passos para ordenar num sentido nacional unitário a política

brasileira (o P.R.C. foi o primeiro partido político nacional, isto

é, com representação em todos os estados da federação).

Defensor da Constituição Federal e da pureza do regime, tombou

envolto na bandeira do P.R.C. que, para ele, era a própria

bandeira da República.

Do seu fervoroso amor à pátria e à República, adveio-lhe o inegável

prestígio pessoal que o tornou chefe supremo no cenário

político brasileiro.

A serena firmeza de suas atitudes, a nobreza de seus atos e a

sua abnegação pela causa pública projetaram no espaço o perfil

másculo de uma individualidade incomum nas páginas da

História Pátria.

A 8 de setembro de 1915, então Vice-Presidente do Senado

Federal, tombou vítima do traiçoeiro punhal de um assassino,

no saguão do Hotel dos Estrangeiros, no Rio de Janeiro, após intensa

campanha subversiva e personalíssima, promovida pelos

inimigos da República.”

O crime

Nos últimos anos do governo do Marechal Hermes da

Fonseca, a política local da cidade do Rio de Janeiro, na época,

Distrito Federal, com reduzida força no cenário nacional

passou a se caracterizar como forte oposição, exacerbando os

seus ataques críticos em que não faltavam passionalismo e as

inverdades. Realçavam, deste modo, a sua presença junto a

um público pouco informado e crédulo.

Alinhavam-se com essa corrente alguns órgãos da

Imprensa antigovernista, engordando as vendas de jornais

com esse estilo de desconstrução de personalidades respeitáveis,

valendo-se da interpretação distorcida dos fatos, quando

não manifestas mentiras.

O Senador Pinheiro Machado, um político do Estado

do Rio Grande do Sul, com liderança política nacional, quase

que inconteste pelo seu reconhecido valor e serviços prestados,

não era seguido por esses políticos da Capital ainda

em busca de espaço.

Chegou-se a considerar essa campanha oposicionista

odienta como a causa que armou a mão assassina do delinquente

Manso de Paiva para no dia 8 de setembro de 1915 procurar

o senador gaúcho no interior do Hotel dos Estrangeiros,

na Praça José de Alencar, onde fora almoçar com correligionários,

para apunhalá-lo pelas costas.

             Registro de Ocorrência do abominável crime




Na parte diária de 8 para 9 de setembro de 1915, fls.

175V/176, do Livro de Ocorrências do 6º Distrito Policial,

Glória, o comissário de polícia Antônio Duarte Batista lançou

as seguintes informações que lhe chegaram ao conhecimento:

“Às 17 horas, por um telefonema anônimo, chegou ao meu conhecimento

que havia sido assassinado no interior do Hotel

dos Estrangeiros o General José Gomes Pinheiro Machado.

Comunicando-me, ato contínuo, com esse estabelecimento

foi-me confirmada essa notícia pelo telefonista. Acompanhando

o Dr. Delegado seguimos para o local. Ao transpormos a porta

desta Delegacia, vieram ao encontro do Dr. Delegado os

Guardas Civis nºs 418 e 12, de nomes, respectivamente, Carlos

de Oliveira Pimenta e Augusto Lunde Ferreira, os quais apresentaram

ao Delegado o indivíduo de nome Francisco Manso

de Paiva Coimbra, preso na Praça José de Alencar, acusado

como autor da morte do referido General, tendo sido nesse momento

também apresentada ao Dr. Delegado uma faca apreendida

em poder do acusado. Recolhido o acusado sob absoluta

incomunicabilidade, prosseguimos até o hotel em cujo saguão

estava estendido no chão o cadáver do referido General, apresentando

as vestes ensopadas de sangue, notadamente no peito

do lado esquerdo a altura do coração. Removido o corpo para

cima de uma mesa enquanto se esperava condução para ele, procedi

ao arrolamento das testemunhas as quais são: Deputados,

Antônio Manuel Bueno de Andrade e José Cardoso de Almeida

e o porteiro do hotel Guilherme Nuzmann. Em seguida, arrecadei

os seguintes objetos…

Identificação do acusado: é filho de Francisco de Paiva Coimbra

e de Maria de Jesus Coimbra, de cor branca, natural de Jaguarão

(Rio Grande do Sul), com 27 anos de idade, solteiro, padeiro,

morador à Rua Bento Lisboa n. 120, sabendo ler e escrever. Em

seu poder arrecadei os seguintes objetos...

Antônio Duarte Batista

Comissário de Polícia”

Infelizmente, o registro da ocorrência (R.O.) feito pelo

comissário de polícia, como depois se viu, foi a única formalidade

cumprida com regularidade durante a investigação

desse crime.

O preso assumiu a autoria do crime, negando a existência

de coparticipes e alegou como motivação o ódio político

que nutria pela vítima.

Toda a vida do acusado, suas rotinas, seus contatos e

fontes de recursos deveriam ter sido apurados com cuidado

pela polícia, até porque as ameaças de morte ao senador eram

frequentes e indicavam um desígnio anterior reiteradamente

manifestado. No entanto, o que se viu foi a pressa de encerrar

o caso em face da prisão em flagrante do criminoso confesso.

Ele possuía antecedentes criminais em vários estados,

estava desempregado, mas dispunha de dinheiro para

pagar o seu aluguel e manter uma amante espanhola com

quem era visto jantando em restaurantes. Frequentava o

prédio do Senado Federal onde mantinha relações com

altos funcionários da casa, sugerindo ligações de interesse

político.

O governo de Wenceslau Brás (Wenceslau Brás Pereira

Gomes, eleito pelo Partido Republicano Mineiro para o

quadriênio de 1914-1918) desviando-se da tradição das

administrações anteriores de escolher um respeitado jurista

para conduzir os destinos da Polícia Civil do Distrito

Federal, escolheu um modesto bacharel baiano Aurelino

Araújo Leal para este importante cargo da República. Antes,

Leal trabalhou em alguns jornais de Salvador e nomeado

promotor público não permaneceu muito tempo no cargo

do qual foi demitido em 1899. Eleito deputado estadual no

ano seguinte, não teve a eleição reconhecida. Em 1912, também

não satisfez as condições para assumir uma cadeira de

deputado federal. A falta de êxito político na sua terra natal

o levou para o Rio e à custa de fortes indicações chegou à

Polícia. Suspeita de promiscuidade com os contraventores

dos jogos de azar inspirou os compositores Ernesto Joaquim

Maria dos Santos, o “Donga” e Mario de Almeida a lançarem

em 1916 o samba “Pelo Telefone”. O desempenho do

cargo de Chefe de Polícia, entre 1914 e 1919, desfrutando

do prestígio dele decorrente, não foi suficiente para elevá-lo

ao Supremo Tribunal Federal como os seus predecessores,

mas a falta de estofo jurídico para compor o Pretório

Excelso não o privou de indicações futuras para o exercício

de diversos cargos de confiança, sempre dependentes de

bons conhecimentos.

Era, pois, o sr. Aurelino Leal o Chefe de Polícia no

momento trágico da morte do eminente brasileiro. A sua

atuação inadequada e até reprovável foi comentada pelo

deputado Flores da Cunha, auxiliar de acusação no processo

criminal a que respondia o assassino perante o tribunal

do júri:

“É tão revoltante e inaudito o procedimento da polícia do Sr.

Aurelino que, diante do escândalo, homens qualificados não trepidaram

em protestar contra tão inominável abuso.

A tal ponto chegou o escândalo, srs. Jurados, que o Sr. Dr.

Cardoso de Almeida (Deputado federal), revoltado, foi ao

Palácio da Presidência e ao Sr. Dr. Wenceslau Brás fazer sentir

que era ignominioso o que se vinha passando na polícia, na formação

do inquérito para apurar a responsabilidade de Manso

de Paiva Coimbra”.

             O julgamento do criminoso

“A Gazeta de Notícias, o Correio da Manhã e o Jornal do

Comércio, toda a Imprensa desta Capital, enfim, noticiou que,

três dias após o delito, o Chefe de Polícia determinou o encerramento

do inquérito. Sabendo disso, o Sr. Dr. Presidente da

República declarou-se contrário a esse encerramento, determinando

novas diligências por parte da polícia, de modo a ver se

mais alguma coisa apurava com relação a Manso Coimbra e ao

crime que ele vinha de praticar.”

“A Promotoria Pública, Srs. Jurados, ainda que veladamente,

manifestou-se de acordo com o que já anteriormente havia dito

o futuroso representante da Justiça Pública, Sr. Dr. Joaquim

Mafra de Laet, isto é, que o acusado não agiu só e que, ao contrário,

da sua confissão se depreendem circunstâncias outras

que não foram devidamente estudadas. A Promotoria Pública,

pois, embora veladamente, é de opinião que Manso de Paiva

teve sócios na empreitada maléfica que levou a termo no saguão

do Hotel dos Estrangeiros.”

Também não ficou explicado como um elemento marginalizado,

desempregado e contumaz vadio obteve recursos

para cercar-se de uma plêiade de conhecidos advogados em

sua defesa.

Em artifício protelatório, a defesa do acusado arguiu

a incapacidade jurídica da esposa do morto, a veneranda

senhora Benedita Brazilina Pinheiro Machado, para estabelecer

instrumento de procuração aos advogados, auxiliares

de acusação, por suposição, não ser legalmente casada

com o senador Pinheiro. Pouco se importaram de expor a sra.

Pinheiro Machado, heroína da Revolução Federalista, à condição

de manteúda ou amante até a juntada da certidão de

casamento oriunda da cidade de São Paulo.

Conclusão

Enfim, no inquérito policial em que se apurava o assassinato

do político mais importante do Brasil, um ato revestido de

criminosa desumanidade, um verdadeiro atentado contra a

democracia brasileira, sofrimento compartilhado por todos

aqueles cidadãos que reconheciam a presença de Pinheiro

Machado como necessária ao bem da República, o Chefe de

Polícia, com provável influência de espúrio partidarismo, não

só se eximiu de cumprir a sua obrigação de zelar pelo bom

andamento das investigações da polícia judiciária sob a sua

direção, mas ainda influenciou com a omissão os demais subordinados

a relaxarem a busca da verdade e identificação de

todos os envolvidos.

Um momento falho na história da nossa polícia judiciária

porque teve a direção entregue, de modo irresponsável, a

um candidato surgido do compadrio político e muito aquém

dos requisitos de competência para o exercício de tão relevante

missão.

               Monumento na cidade do Rio de Janeiro - Ipanema, ao Senador Pinheiro Machado

A admiração e o apreço do povo, do parlamento e câmaras

municipais se manifestaram por todo o Brasil, onde em

cada cidade surgiu uma estátua, um busto ou um logradouro

público em homenagem ao grande brasileiro.

Poucos anos depois da sua morte, a estabilidade política

da jovem República para a qual tanto contribuiu a sua liderança

e força moral começou a ruir e a sucessão de levantes e

revoluções mudaram a política nacional.

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