quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

A DETONAÇÃO DE BOMBAS NA CIDADE - PRISÕES DE ANARQUISTAS


Este é um triste evento de trágicos resultados, quando um

governo autoritário resguardado pelo estado de sítio resolve

criar um órgão de polícia política a serviço do seu arbítrio

e para que se torne confiável, a própria Presidência da

República escolhe os seus integrantes, dirige-os e os controla

na execução do propósito de perseguir adversários.

Em 15 de novembro de 1922, assumiu o governo da

República, o mineiro Artur da Silva Bernardes, durante o estado

de sítio decretado no governo anterior. A situação econômica

do país não era boa. Bernardes trouxe ressentimentos

da campanha presidencial passando a se vingar dos adversários

e das suas posições políticas advieram descontentamentos

que produziram ações armadas em todo o Brasil.

         O mineiro Artur Bernardes resolveu criar um forte sistema repressivo de polícia política.

No contexto caótico e destituído de liberdades por ele

criado, resolveu institucionalizar, pela primeira vez, uma polícia

política na República. Pelo Decreto nº 15.848, de 20 de

novembro de 1922, criou a 4ª Delegacia Auxiliar com atribuições

de informar diariamente ao Chefe de Polícia o que

interessasse à segurança pública e fornecer os esclarecimentos

necessários aos serviços de manutenção da ordem, prevenção

e repressão dos crimes. No artigo 5º, dispensou o Chefe de

Polícia do requisito de ser bacharel em direito e no seu parágrafo

único, seguindo a mesma orientação, permitiu a um

oficial da Polícia Militar do Distrito Federal ocupar o cargo de

4.° Delegado Auxiliar.

Um casuístico decreto feito para nomear os seus oficiais

preferidos. Ademais, é característico em toda a polícia política

ou órgão de repressão política de governos autoritários

a escolha de partidários fiéis para os seus quadros, indivíduos

servis dispostos a obedecer a todas as ordens, mesmo

quando condenáveis.

Deste modo, para o cargo de confiança de 4º Delegado

Auxiliar foi nomeado o major Carlos Reis e “tais foram as

violências praticadas por Reis que foi demitido pouco depois”

(“Correio da Manhã”, de 7 de abril de 1927, primeira página,

última coluna).

Eminência parda do órgão era o general Santa Cruz,

apelidado de “General Rapa Coco”, emissário do Catete

para supervisionar a Delegacia, sem cargo nem salário, mas

aquinhoado por gordas verbas secretas à disposição da polícia

política. Com a demissão de Reis, foi nomeado para o

cargo um nome das relações de Bernardes, o civil Francisco

Anselmo das Chagas.

         O Marechal Carneiro da Fontoura, Chefe de Polícia e repressor impiedoso.

Para Chefe de Polícia, Bernardes escolheu uma figura

conhecida na vida militar como um impiedoso repressor

de levantes e rebeliões: o marechal Manoel Lopes Carneiro

da Fontoura que, em 9 de dezembro de 1910, dizimou na

Ilha das Cobras o Batalhão Naval em rebelião. Em 5 de julho

de 1922, Comandante da Região Militar, encarregado de

dominar a insurreição do Forte de Copacabana, levou a luta

até as últimas consequências, quando meia dúzia de revoltosos

já se encontravam feridos e sem munição nas areias da

praia de Copacabana.

Durante a sua instável presença no Catete, Bernardes interferiu

na política do Estado do Rio de Janeiro em favor de

correligionário, desestabilizando a situação local e forçando a

decretação da intervenção federal.

A sua inabilidade conduziu a eclosão da guerra civil no

Estado do Rio Grande do Sul em 25 de janeiro de 1923. No

mesmo ano, frustrou a esperada anistia para os militares envolvidos

no levante de 5 de julho do ano anterior e deixou que

fossem a julgamento.

Uma revolução iniciada em São Paulo, em 5 de julho

de 1924, dava continuidade ao ciclo tenentista propugnando

pelo voto secreto, pela superação das velhas oligarquias políticas,

pela liberdade de Imprensa e em defesa do nacionalismo.

Em abril de 1925, rebeldes batidos em São Paulo e Rio Grande

do Sul se uniram na Coluna Miguel Costa-Prestes, empreendendo

uma campanha militar pelo Interior do Brasil que terminou

no início de 1927. Levantes na Marinha e nos estados

fizeram prorrogar o estado de sítio sucessivamente até 1926.

Enquanto bombas explodiam em diversos locais do Rio

e Niterói, a 4ª Delegacia Auxiliar prosseguia na sua busca aos

opositores e insurgentes.

Em 18 de julho de 1925, tendo chegado ao conhecimento

da citada delegacia que, na casa de número 125 da Rua

Flack, no bairro de Riachuelo, residência de Viriato da Cunha

Bastos Schomaker, continuavam a se reunir à noite diversas

pessoas para conspirar contra a ordem pública, determinou

o Delegado Francisco das Chagas o seu cerco e prisão de todos

os presentes. Depois das investigações e confissões obtidas,

foram arroladas como envolvidas vinte pessoas entre as

quais Conrado Borlindo Maia de Niemeyer, capitão Cristóvão

Barcellos, capitão Carlos da Costa Leite, dr. Belmiro Valverde,

Viriato da Cunha Bastos Schomaker, ex cadetes (expulsos)

Maurício e Trompowisky, além de outros civis e militares.

Seis dias depois, o comerciante Niemeyer foi preso em

seu estabelecimento, pelo mesmo 4.° Delegado Auxiliar, sob a

acusação de estar envolvido em movimentos revolucionários,

fornecendo dinamite para a fabricação de bombas conforme

denúncia levada ao Chefe de Gabinete do Chefe de Polícia por

um empregado da sua própria firma. 

A prisão teve como desfecho a morte de Niemeyer na

Rua dos Inválidos, após despencar da janela do gabinete da 4ª

Delegacia Auxiliar. O inquérito policial para apurar o fato, já

no governo de Washington Luís, foi determinado pelo Chefe

de Polícia Coriolano de Góes. Foi designado para presidi-lo o

dr. Arthur Cumplido de Sant’Anna, delegado da 1ª Delegacia

Auxiliar e indicado para acompanhar as apurações o promotor

público dr. Max Gomes de Paiva.



           Os anarquistas explodiam bombas em toda a cidade, criando insegurança total.

O relatório foi concluído com base em vários depoimentos

e, principalmente, no relato do investigador Eugênio

Joaquim Corrêa, com o seguinte teor: “no dia seguinte da

prisão, pela manhã, cerca de 10 horas, o investigador Correa

guardava o preso no gabinete do Delegado quando viu o Dr.

Chagas, Moreira Machado, Mandovani, Manoel da Costa, o

“26” e outros, aí entrarem para o Dr. Chagas submeter aquele

negociante a novo interrogatório, havendo nessa ocasião forte

discussão entre ambos, sendo então Niemeyer novamente agredido.

Proferindo palavras de repulsa e procurando defender-se,

foi assim até a janela, à direita de quem entra no gabinete, janela

larga, medindo um metro e 29 cm., de peitoril baixo, tendo

apenas 88 cm. de altura, foi atirado à rua, tão-somente porque

reagia à agressão recebida.”


          O chefe anarquista projetou-se da janela do 2º piso, da Chefatura de Polícia.

Depondo no inquérito policial o marechal Carneiro

da Fontoura, quando indagado das suas responsabilidades

em face do ocorrido na 4ª Delegacia optou por se eximir,

declarando nunca ter tido ingerência nas ações do órgão,

pois, segundo ele, todas eram comandadas diretamente pela

Presidência da República.

Os envolvidos no crime Francisco Anselmo das Chagas,

Moreira Machado, Mandovani e Manoel da Costa, o “26”, foram

denunciados perante o juízo da 1ª Vara Criminal, sendo

absolvidos por sentença do juiz Oliveira Figueiredo. Na apelação

dessa decisão interposta perante a 2ª Câmara Criminal

da Corte de Apelação, foi confirmada a sentença absolutória

por unanimidade, participando do julgamento os desembargadores

Vicente Piragibe, Arthur Soares e Costa Ribeiro.

O desfecho judiciário, para um acontecimento supostamente

criminoso e atentatório aos direitos humanos, torna-se

motivo de dúvidas e indagações. Teriam as testemunhas mudado

o teor dos seus depoimentos no curso da ação penal?

Teriam as terríveis lembranças das frequentes bombas detonadas

na cidade, associadas às atividades insurgentes dos

envolvidos, superado qualquer juízo de censura contra a violência

da repressão? Teria o laudo do Instituto Médico Legal

influenciado os julgadores por não poder distinguir as lesões

resultantes da queda das lesões do espancamento da vítima?

Enfim, foi um péssimo momento para a Polícia Civil da

República, que estava estruturada para cumprir a lei e respeitar

o cidadão de acordo com orientação humanista de Cardoso

de Castro, Alfredo Pinto, Leoni Ramos e outros, quando relacionada

às ações de um grupo de sicários constituído para

servir ao governo Bernardes. 

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