Este é um triste evento de trágicos resultados, quando um
governo autoritário resguardado pelo estado de sítio resolve
criar um órgão de polícia política a serviço do seu arbítrio
e para que se torne confiável, a própria Presidência da
República escolhe os seus integrantes, dirige-os e os controla
na execução do propósito de perseguir adversários.
Em 15 de novembro de 1922, assumiu o governo da
República, o mineiro Artur da Silva Bernardes, durante o estado
de sítio decretado no governo anterior. A situação econômica
do país não era boa. Bernardes trouxe ressentimentos
da campanha presidencial passando a se vingar dos adversários
e das suas posições políticas advieram descontentamentos
que produziram ações armadas em todo o Brasil.
O mineiro Artur Bernardes resolveu criar um forte sistema repressivo de polícia política.No contexto caótico e destituído de liberdades por ele
criado, resolveu institucionalizar, pela primeira vez, uma polícia
política na República. Pelo Decreto nº 15.848, de 20 de
novembro de 1922, criou a 4ª Delegacia Auxiliar com atribuições
de informar diariamente ao Chefe de Polícia o que
interessasse à segurança pública e fornecer os esclarecimentos
necessários aos serviços de manutenção da ordem, prevenção
e repressão dos crimes. No artigo 5º, dispensou o Chefe de
Polícia do requisito de ser bacharel em direito e no seu parágrafo
único, seguindo a mesma orientação, permitiu a um
oficial da Polícia Militar do Distrito Federal ocupar o cargo de
4.° Delegado Auxiliar.
Um casuístico decreto feito para nomear os seus oficiais
preferidos. Ademais, é característico em toda a polícia política
ou órgão de repressão política de governos autoritários
a escolha de partidários fiéis para os seus quadros, indivíduos
servis dispostos a obedecer a todas as ordens, mesmo
quando condenáveis.
Deste modo, para o cargo de confiança de 4º Delegado
Auxiliar foi nomeado o major Carlos Reis e “tais foram as
violências praticadas por Reis que foi demitido pouco depois”
(“Correio da Manhã”, de 7 de abril de 1927, primeira página,
última coluna).
Eminência parda do órgão era o general Santa Cruz,
apelidado de “General Rapa Coco”, emissário do Catete
para supervisionar a Delegacia, sem cargo nem salário, mas
aquinhoado por gordas verbas secretas à disposição da polícia
política. Com a demissão de Reis, foi nomeado para o
cargo um nome das relações de Bernardes, o civil Francisco
Anselmo das Chagas.
O Marechal Carneiro da Fontoura, Chefe de Polícia e repressor impiedoso.Para Chefe de Polícia, Bernardes escolheu uma figura
conhecida na vida militar como um impiedoso repressor
de levantes e rebeliões: o marechal Manoel Lopes Carneiro
da Fontoura que, em 9 de dezembro de 1910, dizimou na
Ilha das Cobras o Batalhão Naval em rebelião. Em 5 de julho
de 1922, Comandante da Região Militar, encarregado de
dominar a insurreição do Forte de Copacabana, levou a luta
até as últimas consequências, quando meia dúzia de revoltosos
já se encontravam feridos e sem munição nas areias da
praia de Copacabana.
Durante a sua instável presença no Catete, Bernardes interferiu
na política do Estado do Rio de Janeiro em favor de
correligionário, desestabilizando a situação local e forçando a
decretação da intervenção federal.
A sua inabilidade conduziu a eclosão da guerra civil no
Estado do Rio Grande do Sul em 25 de janeiro de 1923. No
mesmo ano, frustrou a esperada anistia para os militares envolvidos
no levante de 5 de julho do ano anterior e deixou que
fossem a julgamento.
Uma revolução iniciada em São Paulo, em 5 de julho
de 1924, dava continuidade ao ciclo tenentista propugnando
pelo voto secreto, pela superação das velhas oligarquias políticas,
pela liberdade de Imprensa e em defesa do nacionalismo.
Em abril de 1925, rebeldes batidos em São Paulo e Rio Grande
do Sul se uniram na Coluna Miguel Costa-Prestes, empreendendo
uma campanha militar pelo Interior do Brasil que terminou
no início de 1927. Levantes na Marinha e nos estados
fizeram prorrogar o estado de sítio sucessivamente até 1926.
Enquanto bombas explodiam em diversos locais do Rio
e Niterói, a 4ª Delegacia Auxiliar prosseguia na sua busca aos
opositores e insurgentes.
Em 18 de julho de 1925, tendo chegado ao conhecimento
da citada delegacia que, na casa de número 125 da Rua
Flack, no bairro de Riachuelo, residência de Viriato da Cunha
Bastos Schomaker, continuavam a se reunir à noite diversas
pessoas para conspirar contra a ordem pública, determinou
o Delegado Francisco das Chagas o seu cerco e prisão de todos
os presentes. Depois das investigações e confissões obtidas,
foram arroladas como envolvidas vinte pessoas entre as
quais Conrado Borlindo Maia de Niemeyer, capitão Cristóvão
Barcellos, capitão Carlos da Costa Leite, dr. Belmiro Valverde,
Viriato da Cunha Bastos Schomaker, ex cadetes (expulsos)
Maurício e Trompowisky, além de outros civis e militares.
Seis dias depois, o comerciante Niemeyer foi preso em
seu estabelecimento, pelo mesmo 4.° Delegado Auxiliar, sob a
acusação de estar envolvido em movimentos revolucionários,
fornecendo dinamite para a fabricação de bombas conforme
denúncia levada ao Chefe de Gabinete do Chefe de Polícia por
um empregado da sua própria firma.
A prisão teve como desfecho a morte de Niemeyer na
Rua dos Inválidos, após despencar da janela do gabinete da 4ª
Delegacia Auxiliar. O inquérito policial para apurar o fato, já
no governo de Washington Luís, foi determinado pelo Chefe
de Polícia Coriolano de Góes. Foi designado para presidi-lo o
dr. Arthur Cumplido de Sant’Anna, delegado da 1ª Delegacia
Auxiliar e indicado para acompanhar as apurações o promotor
público dr. Max Gomes de Paiva.
O relatório foi concluído com base em vários depoimentos
e, principalmente, no relato do investigador Eugênio
Joaquim Corrêa, com o seguinte teor: “no dia seguinte da
prisão, pela manhã, cerca de 10 horas, o investigador Correa
guardava o preso no gabinete do Delegado quando viu o Dr.
Chagas, Moreira Machado, Mandovani, Manoel da Costa, o
“26” e outros, aí entrarem para o Dr. Chagas submeter aquele
negociante a novo interrogatório, havendo nessa ocasião forte
discussão entre ambos, sendo então Niemeyer novamente agredido.
Proferindo palavras de repulsa e procurando defender-se,
foi assim até a janela, à direita de quem entra no gabinete, janela
larga, medindo um metro e 29 cm., de peitoril baixo, tendo
apenas 88 cm. de altura, foi atirado à rua, tão-somente porque
reagia à agressão recebida.”
O chefe anarquista projetou-se da janela do 2º piso, da Chefatura de Polícia.
Depondo no inquérito policial o marechal Carneiro
da Fontoura, quando indagado das suas responsabilidades
em face do ocorrido na 4ª Delegacia optou por se eximir,
declarando nunca ter tido ingerência nas ações do órgão,
pois, segundo ele, todas eram comandadas diretamente pela
Presidência da República.
Os envolvidos no crime Francisco Anselmo das Chagas,
Moreira Machado, Mandovani e Manoel da Costa, o “26”, foram
denunciados perante o juízo da 1ª Vara Criminal, sendo
absolvidos por sentença do juiz Oliveira Figueiredo. Na apelação
dessa decisão interposta perante a 2ª Câmara Criminal
da Corte de Apelação, foi confirmada a sentença absolutória
por unanimidade, participando do julgamento os desembargadores
Vicente Piragibe, Arthur Soares e Costa Ribeiro.
O desfecho judiciário, para um acontecimento supostamente
criminoso e atentatório aos direitos humanos, torna-se
motivo de dúvidas e indagações. Teriam as testemunhas mudado
o teor dos seus depoimentos no curso da ação penal?
Teriam as terríveis lembranças das frequentes bombas detonadas
na cidade, associadas às atividades insurgentes dos
envolvidos, superado qualquer juízo de censura contra a violência
da repressão? Teria o laudo do Instituto Médico Legal
influenciado os julgadores por não poder distinguir as lesões
resultantes da queda das lesões do espancamento da vítima?
Enfim, foi um péssimo momento para a Polícia Civil da
República, que estava estruturada para cumprir a lei e respeitar
o cidadão de acordo com orientação humanista de Cardoso
de Castro, Alfredo Pinto, Leoni Ramos e outros, quando relacionada
às ações de um grupo de sicários constituído para
servir ao governo Bernardes.
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