sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

O PRIMEIRO CHEFE DE POLÍCIA DA REPÚBLICA


Após algumas horas de permanência do capitão Espírito

Santo na Chefia da Polícia, o Governo Republicano

resolveu nomear para o cargo um bacharel em Direito, o

dr. João Batista de Sampaio Ferraz, em 16 de novembro de

1889. A par da excelente escolha seguiu uma tradição respeitada

pela monarquia de entregar a direção da Polícia a

um homem das leis.

Sampaio Ferraz, além de jurista, era um homem da

República. Desde a juventude lutou pelo estabelecimento do

novo regime pela propaganda, por meio da devotada pregação

dos princípios norteadores da liberdade e da democracia.

Nasceu na cidade de Campinas (SP) no dia 16 de fevereiro

de 1857. Formou-se na Faculdade de Direito de São

Paulo em novembro de 1878. Mudou-se para o Rio de Janeiro

e como muitos jovens bacharéis da época, iniciou a carreira

jurídica exercendo a função de promotor público de 1881 a

1888. Em 1888, a serviço do ideal republicano fundou com

João das Chagas Lobato o jornal “O Correio do Povo”, onde

teve a oportunidade de defender suas ideias.



Embora tenha permanecido no exercício do cargo por

pouco tempo, porque em 1890 foi eleito como o Deputado

mais votado pelo Distrito Federal à Assembleia Nacional

Constituinte, administrou com grande empenho a questão da

segurança pública da cidade assolada pela criminalidade de rua.

Como seus primeiros colaboradores, nomeou os drs. João

das Chagas Lobato e Thomaz Delphino dos Santos, para primeiro

e segundo Delegados Auxiliares e substituiu os delegados

dos distritos da Candelária, Santa Rita, Inhaúma, Engenho

Velho, Irajá e Santo Antônio, designando os drs. José Silvério

Barbosa, Orozimbo Correia Netto, Pedro Antônio Domingues,

Alfredo Augusto Vidal, José Manoel Novaes Machado e

Eduardo Augusto de Souza Santos, respectivamente.

Assumiu o cargo quando a atividade da capoeiragem estava

bastante ativa na cidade, embora houvesse um divisor

bem nítido entre a capoeira como manifestação cultural, que

se expressava pela luta, dança e música, caracterizada por

movimentos ágeis, com a utilização dos pés, mãos e acrobacias,

desenvolvida pelos escravos africanos trazidos para o

Brasil como meio de defesa pessoal, resistência à opressão do

sistema escravagista, preservação da identidade e tradições e

a capoeiragem praticada nas ruas do Rio no curso do século

XIX que era a utilização dos conhecimentos da capoeira em

apoio às atividades dos criminosos para o roubo, a agressão,

homicídio, arruaça, depredações e demais violências dirigidas

à população em geral, surpreendida em meio à mazorca

por ela criada.

Em artigo publicado no “Correio da Manhã”, de

26/03/1967, Agostinho Seixas assim a descreve: “...puxadores

de carrinhos e os chamados pretos de ganho (biscateiros),

pescadores e peixeiros transformavam-se definitivamente em

capoeiras profissionais, empreiteiros de crimes e vinganças,

guarda-costas de pessoas de recursos ou não. Eram temidos e

respeitados, pela valentia e agilidade de seus golpes, quase sempre

fatais para os adversários.

Não rejeitavam “parada” e até guarnições de soldados

eram enfrentadas a “cabeçada”, “rasteira”, “rabo-de-arraia”. No

final do século passado (XIX) o problema que mais preocupava

as autoridades eram as maltas, existindo entre tantas a da

Lança, na freguesia de São Jorge, a de Santo Inácio, no Morro

do Castelo, os Luzianos, da Praia de Santa Luzia, Franciscanos,

de São Francisco de Paula e a do Bom Jesus do Calvário, denominada

dos Ossos.”

A capoeira como luta e como esporte, aos poucos, passou

a ser adotada pelo branco, pois, a eficiência dos seus golpes

dava a qualquer homem bem treinado superioridade nas contendas

de rua, nas disputas em que se envolvesse, com eficaz

defesa diante das agressões. Atraiu o interesse de soldados e

milicianos, da rapaziada da Corte, filhos de respeitadas famílias

e dos malfeitores.

Jornais, como “O Paiz”, “Jornal do Comércio”, “Diário de

Notícias” e outros, nos anos da monarquia já vinham noticiando

a atividade criminosa da capoeiragem, ora para roubar, ora

para ferir ou matar, ora para dissolver atividades ou festividades

públicas. Clamavam providências das autoridades contra

esses criminosos, que proliferavam na cidade e cuja repressão

vinha sendo feita com a maior dificuldade pela polícia.

O jornal “O Paiz”, de Quintino Bocaiúva, considerado

“O Príncipe do Jornalismo”, quase todos os dias, trazia notícias

como essas:

“Ontem, a tarde foi preso à Rua Santo Cristo o capoeira e desordeiro

conhecido como Manduca Mulatinho sendo causa da prisão

o fato de Manduca ter espancado uma mulher na Praça do

Santo Cristo. Manduca é o mesmo indivíduo que no mês findo

promoveu desordens naquela rua, ferindo gravemente uma praça

de cavalaria...” “O Paiz”, 27/12/1885, pág. 2

“O dia de ontem, como tantos outros, foi consagrado às correrias

dos capoeiras. À tarde na travessa de São Francisco de Paula e

à noite no Largo da Carioca, os dois bandos inimigos vieram as

mãos e trocaram tiros de revólver, navalhadas e pedradas.” “O

Paiz” 09/03/1885, pág. 2

“Malvado capoeira, acobertado pela máscara que trazia a cara,

deu anteontem um profundo golpe de navalha em Manoel

Francisco dos Santos que se achava no botequim nº 130 da Rua

da Misericórdia. Santos foi recolhido à Misericórdia, (Santa

Casa). “O Paiz”, 22/02/1887 – pág. 1

“Anteontem voltaram a dar batalha na Rua de Alcântara e desta

vez aos cacetes, navalhas e facas juntaram armas de fogo. Os

moradores estavam espavoridos com a luta e com os tiros de

revólver, fecharam as casas e apetrecharam-se para defender a

vida e bens.” “O Paiz”, 14/01/1886 – pág. 1

O “Jornal do Comércio”, de 13/08/1886, edição 0224,

publicou um editorial com o título “Segurança Individual” e

abordou o grande inconveniente que constituía para a cidade

do Rio de Janeiro os “malfeitores conhecidos pela denominação

de capoeiras”:

“Há numerosos anos, nem sabemos desde quando, é flagelada

a cidade do Rio de Janeiro por essa classe de malfeitores conhecidos

pela denominação de capoeiras. A energia com que, em

algumas quadras, se tem procurado reprimir lhes as tropelias e

os crimes, apenas tem logrado atenuar o flagelo sem extirpá-lo.

O efeito momentâneo não tem embargado que, dentro de pouco

tempo, recrudesça o mal. Basta que a autoridade, por falta de

meios de ação ou por outra qualquer causa, se mostre menos

vigilante, para que tais malfeitores redobrem a audácia de que

toda a cidade pode dar testemunho doloroso.

Não são malfeitores comuns os capoeiras. Em todas as grandes

cidades pululam vagabundos, desordeiros, homens de maus

instintos, criminosos de diversos graus. Os capoeiras do Rio de

Janeiro, porém, constituem particular categoria de malfeitores e

é triste saber que nessa hedionda classe não é raro achar homens

que são para ela atraídos por outras causas, que não, a falta de

aptidão de trabalho e até de proteção.

Os anais da polícia registram homicídios perpetrados por capoeiras

sem nenhum outro móvel além da ostentação de inaudita

perversidade. Ferem e matam pessoas a quem não conhecem,

que vão pacificamente o seu caminho, assim praticando o crime

pelo crime, dir-se-ia pela vaidade de primar entre os seus pela

agilidade no maneio da arma homicida ou pelo requinte dos

instintos perversos.”

Sampaio Ferraz, com zelo e cumprindo os deveres determinados

pelo cargo, reprimiu essa onda de criminalidade

cujos males tanto afetavam a população do Rio. Sob o

seu comando, a polícia aumentou a vigilância, o número de

prisões de criminosos tornados famosos por suas façanhas e

providenciou para o efetivo cumprimento das penas em estabelecimentos

carcerários.

O trabalho feito com seriedade passou a ser respeitado,

acatado, tornando-se eficaz. A repressão atingia a todos os desordeiros

independentemente da sua posição social e do político

a quem serviam. Dentre estes, não fugiu à ação policial o

capoeirista José Elísio dos Reis, filho do Conde de Matosinhos.

Mandado cumprir pena na Ilha de Fernando de Noronha de

nada valeram as pressões de políticos influentes no governo republicano

de então.

Esse clamor popular contra as maltas da capoeiragem

acabou repercutindo na esfera da lei penal, tanto assim que o

Código de 11 de outubro de 1890, editado através do Decreto

nº 847 do governo provisório, passou a ocupar-se dos delitos

praticados por vadios e capoeiras nos artigos 399 e seguintes:

Capítulo XIII – Dos vadios e capoeiras

Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade

e destreza corporal conhecidos pela denominação capoeiragem;

andar em correrias, com armas ou instrumentos

capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumultos

ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo

temor de algum mal.

Parágrafo único. É considerado circunstância agravante pertencer

o capoeira a alguma banda ou malta.

Aos chefes, ou cabeças, se imporá a pena em dobro.

Art. 404. Si nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio,

praticar alguma lesão corporal, ultrajar o pudor público

e particular, perturbar a ordem, a tranquilidade ou segurança

pública, ou for encontrado com armas, incorrerá cumulativamente

nas penas cominadas para tais crimes.

Falsas teses surgiram muitos anos após os fatos narrados

para apresentar o ilustre brasileiro como injusto repressor

de uma genuína manifestação da cultura popular, mormente,

quando posterior à ação policial houve um acentuado decréscimo

da preferência pela capoeira como atividade desportiva

e meio de defesa pessoal.



Para J. Paula Ribeiro, em “Vida Policial” de janeiro de

1926, “o Dr. Sampaio Ferraz aproveitara a situação ditatorial

do Governo Provisório para exercer a repressão contra

os capoeiras, mas, sobrevindo o regime constitucional, os capoeiras

voltaram à Capital, onde não mais se arregimentaram.

Conservaram, porém, o jogo ou a escola para ocasiões oportunas,

e, posteriormente, não raro, a polícia tinha que enfrentar

um ou mais espécimes desregrados do grande corpo “capoeiral”.

A capoeira, ainda no primeiro quarto de século, foi perdendo

espaço como luta corporal e defesa pessoal diante da

superioridade técnica, princípios de ética desportiva e eficiência

efetiva da arte marcial oriental introduzida no Brasil

por Mitsuyo Maeda e disseminada por Carlos Gracie, hoje

conhecida por jiu-jitsu brasileiro.

A “Gazeta de Notícias” do dia 4 de maio de 1890 noticiou

com destaque a inauguração festiva da 14ª Estação de

Polícia no novo endereço do Campo de São Cristóvão n.° 118.

Melhoramentos, introduzidos nas repartições policiais, não

eram comuns no governo monárquico.

Na solenidade, estava presente o coronel Solon Ribeiro,

de destacada atuação na Proclamação da República, tornando-

se conhecido como o enviado do governo provisório encarregado

de comunicar ao Imperador a determinação para

deixar o país em 24 horas, no dia 16 de novembro de 1889.

“Ao desfraldar-se a bandeira, o professor Hemetério José dos

Santos, do Colégio Militar, pronunciou um discurso homenageando

o Chefe de Polícia Sampaio Ferraz e seus auxiliares em

São Cristóvão.

Pelos presentes foram feitos brindes, do professor Hemetério ao

brigadeiro Benjamin Constant, do delegado Pernambuco ao coronel

Sólon, do coronel Galvão pelo congraçamento do Exército

com a Polícia, do delegado Castro Junior ao Generalíssimo

Manoel Deodoro da Fonseca.”


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