sábado, 5 de fevereiro de 2022

A NOVA POLÍCIA DA REPÚBLICA


Desde o início do século XX, exerciam o cargo de Chefe

de Polícia do Distrito Federal juristas, dotados de vasta

ilustração e capacidade de trabalho, dos quais se valeu o governo

da República para reorganizar a polícia para o estado

democrático de direito, destinada a exercer as suas funções

adstritas aos ditames legais com respeito às garantias do cidadão,

priorizando o aperfeiçoamento profissional, a investigação

competente e o emprego dos conhecimentos científicos

oferecidos pelo progresso da época.

De 1900 até 1910 passaram pelo importante cargo, Enéas

Galvão, Edmundo Muniz Barreto, Antônio Augusto Cardoso

de Castro, Manoel José Espínola, Alfredo Pinto Vieira de

Mello e Carolino Leoni Ramos, todos alçados, depois, ao cargo

de Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Tiveram visão para introduzir no Distrito Federal o

modelo de polícia judiciária contemporânea, à semelhança

de outros países que melhor a organizavam. Tornou-se

conhecido na Europa o empenho de Georges Clémenceau,

Presidente do Conselho da Terceira República Francesa

e Ministro do Interior (1906-1919), para institucionalizar

a polícia judiciária e dotar o seu país “de um organismo

necessário à preservação social, competente e adequado para

levar à autoridade judiciária os conhecimentos indispensáveis

para a repressão das infrações penais”.

Portanto, a reforma policial procurou privilegiar o trabalho

da polícia judiciária, incentivando o desenvolvimento

da investigação profissional e ética realizada por seus Agentes

com o apoio dos subsídios fornecidos pelos órgãos periciais.

A investigação policial bem sucedida como resultado do

trabalho realizado

pelo investigador habilitado com os conhecimentos

transmitidos pela Escola de Polícia, para esclarecer

as infrações penais, indicar os autores, colher a prova e

elementos necessários à efetivação de uma prisão autorizada

pela lei. Os fundamentos da prisão a precederiam, não seria

admitida a prisão como meio investigatório. Cumprir-se-iam

as práticas civilizadas de um estado democrático.

O governo passou a criar a estrutura e os meios materiais

para tornar exequível as ideias renovadoras. O Decreto

nº 1.631, de 3 de janeiro de 1907, que autorizou a reformar o

serviço policial, atualizou as disposições do Decreto nº 4.763,

de 5 de fevereiro de 1903, e redefiniu o quadro de pessoal e

suas funções.

         A nova Central de Polícia de 1910

Entre os anos de 1908 e 1910, foi concluída a obra da nova

central de polícia, que a par de possibilitar a realocação dos

serviços centrais do velho imóvel da Rua do Lavradio, criou

espaço amplo e moderno para a expansão das atividades.

Inaugurado em 5 de novembro de 1910 com a presença

do Presidente da República Nilo Peçanha, o prédio da

“Polícia Central”, na Rua da Relação, foi planejado e construído

nesse momento de reforma da Polícia Civil e de modernização

da própria cidade do Rio de Janeiro por meio da

obra de embelezamento e saneamento de Pereira Passos e de

Rodrigues Alves.

As novas instalações abrigavam o gabinete do Chefe de

Polícia e demais repartições importantes da instituição. Nele,

foram logo instaladas as três delegacias auxiliares, a Secretaria

de Polícia (atual Secretaria Administrativa), os gabinetes periciais,

o Corpo de Investigação e Segurança Pública, a direção

da Guarda Civil e da Inspetoria do Tráfego. Dois anos depois,

no mesmo prédio, surgiram a Escola de Polícia Científica do

Rio de Janeiro e o Museu do Crime, também previstos no projeto

de construção.

O prédio foi idealizado em primoroso estilo eclético

francês pelo premiado arquiteto Heitor de Mello, para, segundo

diretrizes governamentais, simbolizar a importância

da instituição policial e sediar uma polícia moderna a serviço

do estado democrático. Construído junto da via pública,

com ampla entrada e muitas janelas, sem subterrâneos nem

masmorras, destinava-se a ser um local aberto à fiscalização

da sociedade. O estabelecimento do Museu do Crime (hoje

Museu da Polícia Civil) sob a abóbada do último andar franqueava

ao público visita à nova “Polícia Central”.


           Foto de uma das salas de aula da Escola de Polícia de 1912

A Escola de Polícia, situada no pavimento térreo, teve

como primeiro diretor o professor Elísio de Carvalho, cientista

social e entusiasta do ensino policial. Cursos de formação e

aperfeiçoamento foram criados para o pessoal de investigação

formado pelos integrantes do Corpo de Segurança Pública.

Elísio de Carvalho reproduziu no “Boletim Policial” um

trecho do artigo de Alexandre Lacassagne, publicado na famosa

revista de Lion, “Archives d’Anthropologie Criminelle”,

em junho de 1913:

“O Rio de Janeiro dá exemplo ao Velho Mundo organizando

uma Escola da Polícia que é um modelo admirável, quer quanto

à instalação, quer quanto ao aparelhamento.

Desde muito tempo possuía o Rio de Janeiro um serviço médico-

legal dirigido pelo Dr. Afrânio Peixoto, do qual tive o ensejo

de falar em “Crônica Latina”, de 1906. Possuía demais

o Distrito Federal um serviço de identificação, facultando a

identificação dos criminosos, as perícias de fotografia judiciária,

a identificação civil, a estatística criminal e a publicação

do excelente Boletim Policial. Introduziu-se a datiloscopia

Vucetich que, substituindo a antropometria pelo decreto de 5

de janeiro de 1905, dera os melhores resultados. A Escola de

Polícia vem completar esse conjunto.”

           O guarda-civil de 1904

A Guarda Civil foi mecanismo de preservação da ordem

pública, contribuindo para projetar a presença do distrito policial

em toda a área da sua circunscrição por meio do agente

uniformizado, coadjuvante das investigações pelo amplo conhecimento

adquirido do espaço policiado.

O Corpo de Investigação e Segurança Pública com a

atuação investigativa dos agentes de segurança pública, admitidos

por meio de prova de seleção e profissionalizados em

cursos específicos da Escola de Polícia.

A Polícia Marítima, exercida pela Inspetoria de Polícia

Marítima, destinada ao policiamento da Baia de Guanabara,

navios e portos, passou a impedir a entrada pelo mar de indivíduos

reconhecidamente criminosos, os quais se somariam à

delinquência já existente na cidade.

           Uma das lanchas de Polícia Marítima

A Colônia Correcional de Dois Rios “onde a pena se

transformava no trabalho regenerador e na aprendizagem

de ofícios compensadores” (Relatório do Chefe de Polícia –

Boletim Policial, 1908, 1º trimestre, p. 14/19).

O governo da República mostrou o seu cuidado seletivo

em relação aos nomes para ocupar o cargo de delegado de

polícia, destinando o importante posto para bacharéis reconhecidos

como confiáveis, pela competência e irrepreensível

conduta. Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda ocupou até

1910 a titularidade do 28º Distrito Policial – Ilhas, deixando-a

para se tornar pretor. Mais tarde, seria professor, diplomata,

ensaísta, membro da Academia Brasileira de Letras e o maior

jurista brasileiro do século XX, autor do Tratado de Direito

Privado com 60 volumes.

       Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda deixou a sua marca na Polícia Civil

É substituído pelo advogado José Antônio Flores da

Cunha que, durante a Revolução de 30, tornou-se Interventor

do Estado do Rio Grande do Sul e, após, governador eleito.

Raul Paranhos Pederneiras, mais tarde caricaturista, pintor,

escritor, teatrólogo, compositor e professor, com exercício na

função a partir de março de 1900 na 16ª Circunscrição Policial

– Engenho Novo. Henrique José do Carmo Neto Filho, nomeado

delegado do 14º Distrito Policial – Santana, exerceu

por longos anos a carreira policial. Carmo Neto era cronista,

pesquisador e historiador, legando grande parte dos conhecimentos

da História da Polícia decorrente do seu trabalho.

Nelson Hungria Hoffbauer foi delegado da Polícia Civil do

Distrito Federal até 1924. Ingressou na magistratura como

pretor, foi professor de Direito Penal, Ministro do Supremo

Tribunal Federal, participou da elaboração do Código Penal,

do Código de Processo Penal, da Lei das Contravenções Penais

e da Lei de Economia Popular. Para não prolongar uma longa

lista de valores, oportuna a menção do nome de Joaquim

Pedro Salgado Filho, delegado da 4ª Delegacia Auxiliar até

1932 e, mais tarde, em 20 de janeiro de 1941, fundador do

Ministério da Aeronáutica e seu primeiro ministro.

Os cargos da polícia eram de livre nomeação e exoneração

do Chefe de Polícia na forma prescrita pelo Decreto nº

1.631, de 1907. Havia as exceções do § 2º, inciso 4º, do artigo

2º, que exigiam habilitação especial e prova para provimento

dos cargos de Comissário, Inspetor, Subinspetor e Agente de

Segurança Pública. Para estes últimos, o § 3º proibia a publicação

das suas nomeações. Acreditava-se que a publicidade

poderia prejudicar o sigilo das futuras investigações a

serem realizadas pelos agentes do Corpo de Investigação e

Segurança Pública.

Segundo o artigo 201 do supracitado Regulamento” o

Corpo de Investigação e Segurança Pública era uma instituição

de agentes indispensáveis ao serviço de prevenção, investigação

e vigilância policial, proteção dos direitos individuais e

manutenção da ordem pública e compor-se-ia de um inspetor

e oitenta agentes.”

O mesmo Regulamento tornou incompatíveis os cargos

da polícia e da magistratura. Seria considerada como renúncia

do cargo a aceitação pelo magistrado da nomeação para

cargo policial e vice-versa.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

ASSASSINATO DO SENADOR PINHEIRO MACHADO


“José Gomes Pinheiro Machado nasceu em 8 de maio de 1851,

em Cruz Alta, Rio Grande do Sul. Era filho do Dr. Antônio

Gomes Pinheiro Machado e de Dona Maria Manuela de

Oliveira Ayres, ambos naturais de São Paulo.

Desde a adolescência, José Gomes deu inequívocas provas de seu

mais puro amor à Pátria. Aos 15 anos incompletos, aluno da

Escola Preparatória, anexa à Escola Militar da Corte, abandonou

seus estudos, sem consentimento das autoridades superiores

e, com o desconhecimento dos seus pais, alistou-se no legendário

Corpo de Voluntários da Pátria como soldado do 4.º Corpo de

Caçadores a Cavalo, na luta às hordas paraguaias que haviam

invadido o solo brasileiro. Durante quase três anos, suportou as

dificuldades de uma luta feroz em clima insalubre e retirou-se somente

quando o seu organismo em formação não pode resistir

por mais tempo aos miasmas pestíferos dos pântanos paraguaios.

             Senador Pinheiro Machado

Afastado do serviço do Exército, matriculou-se na Academia

de Direito de São Paulo em 1874, época em que as ideias

republicanas empolgavam a mocidade acadêmica e a nacionalidade,

sendo de notar que se verificou esse acontecimento três

anos após o lançamento do Manifesto Republicano de 2 de dezembro

de 1870, no Rio de Janeiro, e alguns meses da fundação

do Partido Republicano Paulista.

Apaixonado pelo credo republicano, Pinheiro se tornou, desde

cedo, um dos mais ardorosos propagandistas do novo regime.

Fundou com outros estudantes, em julho de 1876, o

Clube Republicano Acadêmico e o jornal “A República”, do

qual foi redator.

Em 5 de agosto de 1876, contraiu núpcias com a paulistana

Benedita Brazilina da Silva e, em 5 de novembro de 1878, recebeu

o grau de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais.

‘’Depois de haver concluído com brilhantismo o seu tirocínio

acadêmico em São Paulo – diz Júlio de Castilhos – onde

honrou sempre o histórico renome riograndense, pelo talento,

pelo estudo e pela probidade de conduta pessoal’’, Pinheiro

Machado regressou à Imperial Província do Rio Grande do Sul,

prosseguindo com redobrado vigor na evangelização da ideia

democrática, fiel ao programa traçado pelos pró-homens do movimento

republicano.

Em São Luiz das Missões (atual São Luiz Gonzaga), onde

se fixou com banca de advocacia, fundou o primeiro Clube

Republicano do Rio Grande e foi o seu primeiro presidente. A

seguir, em 23 de fevereiro de 1882, com Venâncio Ayres, Júlio

de Castilhos, Demétrio Ribeiro, Alcides Lima, Apolinário Porto

Alegre, Ramiro Barcelos, Luiz Lesseigner, Assis Brasil e José

Pedro Alves, fundou o Partido Republicano Riograndense, que,

inesquecíveis e fulgurantes serviços prestou no combate ao regime

monárquico.

Os trabalhos desses incansáveis republicanos não se limitaram

somente ao campo das discussões doutrinárias, avançaram até

a coordenação de forças para uma ação mais enérgica que assegurasse

o pronto estabelecimento do regime que ora desfrutamos.

Neste particular, a figura de Pinheiro Machado sobressai

pela sua ação vigilante, ativa e desassombrada.

Proclamada a República e convocada a Constituinte, foi

eleito, por escolha e imposição do Partido Republicano

Riograndense, senador federal, cargo que exerceu até o seu trágico

desaparecimento.

No Governo de Floriano Peixoto, quando elementos conturbados

pelo ódio pretenderam aniquilar o regime vitorioso em 15

de novembro de 1889, desencadeando a Revolução Federalista,

Pinheiro Machado deixou a sua cadeira no Senado Federal e

atirou-se à luta em defesa dos sacrossantos ideais que, com ingentes

sacrifícios, conseguiu implantar no País. Fiel aos rumos

traçados na Carta de 24 de fevereiro de 1891, empenhou-se na

mais rude guerra fratricida que registra a história republicana.

Durante dois anos de luta árdua, nas agrestes coxilhas do sul,

sempre à frente da legendária Divisão do Norte por ele organizada,

deu as mais notáveis provas de bravura e de abnegação

em prol da legalidade.

O General Rodrigues Lima prestou valioso depoimento com respeito

à figura homérica de Pinheiro após a célebre batalha de

Inhanduí, afirmando:

‘’Quanto ao que fez o Senador Pinheiro Machado, limito-me a

dizer: ele personificou no momento o dever cívico. Sua atividade

desdobrou-se em todos os pontos da linha. Sua presença esteve em

toda parte. Sua palavra de entusiasmo, de animação e conforto foi

ouvida por todos. Seus exemplos foram seguidos pelos mais bravos’’.

Foi com justiça, pois, que o insigne Marechal Floriano, em

9 de maio de 1894, elevou esse bravo soldado da República

ao posto de General de brigada, “atendendo aos relevantes

serviços militares por ele prestados desde o começo da revolta

até hoje, no Rio Grande do Sul, já organizando forças, já as

levando a combate, com valor e proficiência de experimentado

Chefe”.

Graças à ação enérgica e persistente desse abnegado cidadão

soldado, coadjuvado pela ação patriótica de Júlio de Castilhos,

pôde o “Marechal de Ferro” consolidar a República Brasileira.

Partidário intransigente de uma política conservadora voltada

para a preservação do regime republicano, foi Pinheiro Machado

o baluarte com que sempre contaram os governos de Prudente

de Moraes, Campos Sales, Rodrigues Alves e Afonso Pena, na

defesa e manutenção da disciplina e da ordem legal.

No conturbado período presidencial do honrado Marechal

Hermes da Fonseca, melhor se fez sentir a ação vigilante e enérgica

do eminente chefe gaúcho em prol do respeito aos postulados

constitucionais, tornando-o, porém, alvo da mais agitada e

intensa campanha política dos anais republicanos.

Dentre os serviços prestados por Pinheiro Machado à causa

pública, cumpre assinalar ainda o que se refere à educação

cívica nacional. A fundação do PARTIDO REPUBLICANO

CONSERVADOR representa, sem dúvida, um dos primeiros

passos para ordenar num sentido nacional unitário a política

brasileira (o P.R.C. foi o primeiro partido político nacional, isto

é, com representação em todos os estados da federação).

Defensor da Constituição Federal e da pureza do regime, tombou

envolto na bandeira do P.R.C. que, para ele, era a própria

bandeira da República.

Do seu fervoroso amor à pátria e à República, adveio-lhe o inegável

prestígio pessoal que o tornou chefe supremo no cenário

político brasileiro.

A serena firmeza de suas atitudes, a nobreza de seus atos e a

sua abnegação pela causa pública projetaram no espaço o perfil

másculo de uma individualidade incomum nas páginas da

História Pátria.

A 8 de setembro de 1915, então Vice-Presidente do Senado

Federal, tombou vítima do traiçoeiro punhal de um assassino,

no saguão do Hotel dos Estrangeiros, no Rio de Janeiro, após intensa

campanha subversiva e personalíssima, promovida pelos

inimigos da República.”

O crime

Nos últimos anos do governo do Marechal Hermes da

Fonseca, a política local da cidade do Rio de Janeiro, na época,

Distrito Federal, com reduzida força no cenário nacional

passou a se caracterizar como forte oposição, exacerbando os

seus ataques críticos em que não faltavam passionalismo e as

inverdades. Realçavam, deste modo, a sua presença junto a

um público pouco informado e crédulo.

Alinhavam-se com essa corrente alguns órgãos da

Imprensa antigovernista, engordando as vendas de jornais

com esse estilo de desconstrução de personalidades respeitáveis,

valendo-se da interpretação distorcida dos fatos, quando

não manifestas mentiras.

O Senador Pinheiro Machado, um político do Estado

do Rio Grande do Sul, com liderança política nacional, quase

que inconteste pelo seu reconhecido valor e serviços prestados,

não era seguido por esses políticos da Capital ainda

em busca de espaço.

Chegou-se a considerar essa campanha oposicionista

odienta como a causa que armou a mão assassina do delinquente

Manso de Paiva para no dia 8 de setembro de 1915 procurar

o senador gaúcho no interior do Hotel dos Estrangeiros,

na Praça José de Alencar, onde fora almoçar com correligionários,

para apunhalá-lo pelas costas.

             Registro de Ocorrência do abominável crime




Na parte diária de 8 para 9 de setembro de 1915, fls.

175V/176, do Livro de Ocorrências do 6º Distrito Policial,

Glória, o comissário de polícia Antônio Duarte Batista lançou

as seguintes informações que lhe chegaram ao conhecimento:

“Às 17 horas, por um telefonema anônimo, chegou ao meu conhecimento

que havia sido assassinado no interior do Hotel

dos Estrangeiros o General José Gomes Pinheiro Machado.

Comunicando-me, ato contínuo, com esse estabelecimento

foi-me confirmada essa notícia pelo telefonista. Acompanhando

o Dr. Delegado seguimos para o local. Ao transpormos a porta

desta Delegacia, vieram ao encontro do Dr. Delegado os

Guardas Civis nºs 418 e 12, de nomes, respectivamente, Carlos

de Oliveira Pimenta e Augusto Lunde Ferreira, os quais apresentaram

ao Delegado o indivíduo de nome Francisco Manso

de Paiva Coimbra, preso na Praça José de Alencar, acusado

como autor da morte do referido General, tendo sido nesse momento

também apresentada ao Dr. Delegado uma faca apreendida

em poder do acusado. Recolhido o acusado sob absoluta

incomunicabilidade, prosseguimos até o hotel em cujo saguão

estava estendido no chão o cadáver do referido General, apresentando

as vestes ensopadas de sangue, notadamente no peito

do lado esquerdo a altura do coração. Removido o corpo para

cima de uma mesa enquanto se esperava condução para ele, procedi

ao arrolamento das testemunhas as quais são: Deputados,

Antônio Manuel Bueno de Andrade e José Cardoso de Almeida

e o porteiro do hotel Guilherme Nuzmann. Em seguida, arrecadei

os seguintes objetos…

Identificação do acusado: é filho de Francisco de Paiva Coimbra

e de Maria de Jesus Coimbra, de cor branca, natural de Jaguarão

(Rio Grande do Sul), com 27 anos de idade, solteiro, padeiro,

morador à Rua Bento Lisboa n. 120, sabendo ler e escrever. Em

seu poder arrecadei os seguintes objetos...

Antônio Duarte Batista

Comissário de Polícia”

Infelizmente, o registro da ocorrência (R.O.) feito pelo

comissário de polícia, como depois se viu, foi a única formalidade

cumprida com regularidade durante a investigação

desse crime.

O preso assumiu a autoria do crime, negando a existência

de coparticipes e alegou como motivação o ódio político

que nutria pela vítima.

Toda a vida do acusado, suas rotinas, seus contatos e

fontes de recursos deveriam ter sido apurados com cuidado

pela polícia, até porque as ameaças de morte ao senador eram

frequentes e indicavam um desígnio anterior reiteradamente

manifestado. No entanto, o que se viu foi a pressa de encerrar

o caso em face da prisão em flagrante do criminoso confesso.

Ele possuía antecedentes criminais em vários estados,

estava desempregado, mas dispunha de dinheiro para

pagar o seu aluguel e manter uma amante espanhola com

quem era visto jantando em restaurantes. Frequentava o

prédio do Senado Federal onde mantinha relações com

altos funcionários da casa, sugerindo ligações de interesse

político.

O governo de Wenceslau Brás (Wenceslau Brás Pereira

Gomes, eleito pelo Partido Republicano Mineiro para o

quadriênio de 1914-1918) desviando-se da tradição das

administrações anteriores de escolher um respeitado jurista

para conduzir os destinos da Polícia Civil do Distrito

Federal, escolheu um modesto bacharel baiano Aurelino

Araújo Leal para este importante cargo da República. Antes,

Leal trabalhou em alguns jornais de Salvador e nomeado

promotor público não permaneceu muito tempo no cargo

do qual foi demitido em 1899. Eleito deputado estadual no

ano seguinte, não teve a eleição reconhecida. Em 1912, também

não satisfez as condições para assumir uma cadeira de

deputado federal. A falta de êxito político na sua terra natal

o levou para o Rio e à custa de fortes indicações chegou à

Polícia. Suspeita de promiscuidade com os contraventores

dos jogos de azar inspirou os compositores Ernesto Joaquim

Maria dos Santos, o “Donga” e Mario de Almeida a lançarem

em 1916 o samba “Pelo Telefone”. O desempenho do

cargo de Chefe de Polícia, entre 1914 e 1919, desfrutando

do prestígio dele decorrente, não foi suficiente para elevá-lo

ao Supremo Tribunal Federal como os seus predecessores,

mas a falta de estofo jurídico para compor o Pretório

Excelso não o privou de indicações futuras para o exercício

de diversos cargos de confiança, sempre dependentes de

bons conhecimentos.

Era, pois, o sr. Aurelino Leal o Chefe de Polícia no

momento trágico da morte do eminente brasileiro. A sua

atuação inadequada e até reprovável foi comentada pelo

deputado Flores da Cunha, auxiliar de acusação no processo

criminal a que respondia o assassino perante o tribunal

do júri:

“É tão revoltante e inaudito o procedimento da polícia do Sr.

Aurelino que, diante do escândalo, homens qualificados não trepidaram

em protestar contra tão inominável abuso.

A tal ponto chegou o escândalo, srs. Jurados, que o Sr. Dr.

Cardoso de Almeida (Deputado federal), revoltado, foi ao

Palácio da Presidência e ao Sr. Dr. Wenceslau Brás fazer sentir

que era ignominioso o que se vinha passando na polícia, na formação

do inquérito para apurar a responsabilidade de Manso

de Paiva Coimbra”.

             O julgamento do criminoso

“A Gazeta de Notícias, o Correio da Manhã e o Jornal do

Comércio, toda a Imprensa desta Capital, enfim, noticiou que,

três dias após o delito, o Chefe de Polícia determinou o encerramento

do inquérito. Sabendo disso, o Sr. Dr. Presidente da

República declarou-se contrário a esse encerramento, determinando

novas diligências por parte da polícia, de modo a ver se

mais alguma coisa apurava com relação a Manso Coimbra e ao

crime que ele vinha de praticar.”

“A Promotoria Pública, Srs. Jurados, ainda que veladamente,

manifestou-se de acordo com o que já anteriormente havia dito

o futuroso representante da Justiça Pública, Sr. Dr. Joaquim

Mafra de Laet, isto é, que o acusado não agiu só e que, ao contrário,

da sua confissão se depreendem circunstâncias outras

que não foram devidamente estudadas. A Promotoria Pública,

pois, embora veladamente, é de opinião que Manso de Paiva

teve sócios na empreitada maléfica que levou a termo no saguão

do Hotel dos Estrangeiros.”

Também não ficou explicado como um elemento marginalizado,

desempregado e contumaz vadio obteve recursos

para cercar-se de uma plêiade de conhecidos advogados em

sua defesa.

Em artifício protelatório, a defesa do acusado arguiu

a incapacidade jurídica da esposa do morto, a veneranda

senhora Benedita Brazilina Pinheiro Machado, para estabelecer

instrumento de procuração aos advogados, auxiliares

de acusação, por suposição, não ser legalmente casada

com o senador Pinheiro. Pouco se importaram de expor a sra.

Pinheiro Machado, heroína da Revolução Federalista, à condição

de manteúda ou amante até a juntada da certidão de

casamento oriunda da cidade de São Paulo.

Conclusão

Enfim, no inquérito policial em que se apurava o assassinato

do político mais importante do Brasil, um ato revestido de

criminosa desumanidade, um verdadeiro atentado contra a

democracia brasileira, sofrimento compartilhado por todos

aqueles cidadãos que reconheciam a presença de Pinheiro

Machado como necessária ao bem da República, o Chefe de

Polícia, com provável influência de espúrio partidarismo, não

só se eximiu de cumprir a sua obrigação de zelar pelo bom

andamento das investigações da polícia judiciária sob a sua

direção, mas ainda influenciou com a omissão os demais subordinados

a relaxarem a busca da verdade e identificação de

todos os envolvidos.

Um momento falho na história da nossa polícia judiciária

porque teve a direção entregue, de modo irresponsável, a

um candidato surgido do compadrio político e muito aquém

dos requisitos de competência para o exercício de tão relevante

missão.

               Monumento na cidade do Rio de Janeiro - Ipanema, ao Senador Pinheiro Machado

A admiração e o apreço do povo, do parlamento e câmaras

municipais se manifestaram por todo o Brasil, onde em

cada cidade surgiu uma estátua, um busto ou um logradouro

público em homenagem ao grande brasileiro.

Poucos anos depois da sua morte, a estabilidade política

da jovem República para a qual tanto contribuiu a sua liderança

e força moral começou a ruir e a sucessão de levantes e

revoluções mudaram a política nacional.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

A DETONAÇÃO DE BOMBAS NA CIDADE - PRISÕES DE ANARQUISTAS


Este é um triste evento de trágicos resultados, quando um

governo autoritário resguardado pelo estado de sítio resolve

criar um órgão de polícia política a serviço do seu arbítrio

e para que se torne confiável, a própria Presidência da

República escolhe os seus integrantes, dirige-os e os controla

na execução do propósito de perseguir adversários.

Em 15 de novembro de 1922, assumiu o governo da

República, o mineiro Artur da Silva Bernardes, durante o estado

de sítio decretado no governo anterior. A situação econômica

do país não era boa. Bernardes trouxe ressentimentos

da campanha presidencial passando a se vingar dos adversários

e das suas posições políticas advieram descontentamentos

que produziram ações armadas em todo o Brasil.

         O mineiro Artur Bernardes resolveu criar um forte sistema repressivo de polícia política.

No contexto caótico e destituído de liberdades por ele

criado, resolveu institucionalizar, pela primeira vez, uma polícia

política na República. Pelo Decreto nº 15.848, de 20 de

novembro de 1922, criou a 4ª Delegacia Auxiliar com atribuições

de informar diariamente ao Chefe de Polícia o que

interessasse à segurança pública e fornecer os esclarecimentos

necessários aos serviços de manutenção da ordem, prevenção

e repressão dos crimes. No artigo 5º, dispensou o Chefe de

Polícia do requisito de ser bacharel em direito e no seu parágrafo

único, seguindo a mesma orientação, permitiu a um

oficial da Polícia Militar do Distrito Federal ocupar o cargo de

4.° Delegado Auxiliar.

Um casuístico decreto feito para nomear os seus oficiais

preferidos. Ademais, é característico em toda a polícia política

ou órgão de repressão política de governos autoritários

a escolha de partidários fiéis para os seus quadros, indivíduos

servis dispostos a obedecer a todas as ordens, mesmo

quando condenáveis.

Deste modo, para o cargo de confiança de 4º Delegado

Auxiliar foi nomeado o major Carlos Reis e “tais foram as

violências praticadas por Reis que foi demitido pouco depois”

(“Correio da Manhã”, de 7 de abril de 1927, primeira página,

última coluna).

Eminência parda do órgão era o general Santa Cruz,

apelidado de “General Rapa Coco”, emissário do Catete

para supervisionar a Delegacia, sem cargo nem salário, mas

aquinhoado por gordas verbas secretas à disposição da polícia

política. Com a demissão de Reis, foi nomeado para o

cargo um nome das relações de Bernardes, o civil Francisco

Anselmo das Chagas.

         O Marechal Carneiro da Fontoura, Chefe de Polícia e repressor impiedoso.

Para Chefe de Polícia, Bernardes escolheu uma figura

conhecida na vida militar como um impiedoso repressor

de levantes e rebeliões: o marechal Manoel Lopes Carneiro

da Fontoura que, em 9 de dezembro de 1910, dizimou na

Ilha das Cobras o Batalhão Naval em rebelião. Em 5 de julho

de 1922, Comandante da Região Militar, encarregado de

dominar a insurreição do Forte de Copacabana, levou a luta

até as últimas consequências, quando meia dúzia de revoltosos

já se encontravam feridos e sem munição nas areias da

praia de Copacabana.

Durante a sua instável presença no Catete, Bernardes interferiu

na política do Estado do Rio de Janeiro em favor de

correligionário, desestabilizando a situação local e forçando a

decretação da intervenção federal.

A sua inabilidade conduziu a eclosão da guerra civil no

Estado do Rio Grande do Sul em 25 de janeiro de 1923. No

mesmo ano, frustrou a esperada anistia para os militares envolvidos

no levante de 5 de julho do ano anterior e deixou que

fossem a julgamento.

Uma revolução iniciada em São Paulo, em 5 de julho

de 1924, dava continuidade ao ciclo tenentista propugnando

pelo voto secreto, pela superação das velhas oligarquias políticas,

pela liberdade de Imprensa e em defesa do nacionalismo.

Em abril de 1925, rebeldes batidos em São Paulo e Rio Grande

do Sul se uniram na Coluna Miguel Costa-Prestes, empreendendo

uma campanha militar pelo Interior do Brasil que terminou

no início de 1927. Levantes na Marinha e nos estados

fizeram prorrogar o estado de sítio sucessivamente até 1926.

Enquanto bombas explodiam em diversos locais do Rio

e Niterói, a 4ª Delegacia Auxiliar prosseguia na sua busca aos

opositores e insurgentes.

Em 18 de julho de 1925, tendo chegado ao conhecimento

da citada delegacia que, na casa de número 125 da Rua

Flack, no bairro de Riachuelo, residência de Viriato da Cunha

Bastos Schomaker, continuavam a se reunir à noite diversas

pessoas para conspirar contra a ordem pública, determinou

o Delegado Francisco das Chagas o seu cerco e prisão de todos

os presentes. Depois das investigações e confissões obtidas,

foram arroladas como envolvidas vinte pessoas entre as

quais Conrado Borlindo Maia de Niemeyer, capitão Cristóvão

Barcellos, capitão Carlos da Costa Leite, dr. Belmiro Valverde,

Viriato da Cunha Bastos Schomaker, ex cadetes (expulsos)

Maurício e Trompowisky, além de outros civis e militares.

Seis dias depois, o comerciante Niemeyer foi preso em

seu estabelecimento, pelo mesmo 4.° Delegado Auxiliar, sob a

acusação de estar envolvido em movimentos revolucionários,

fornecendo dinamite para a fabricação de bombas conforme

denúncia levada ao Chefe de Gabinete do Chefe de Polícia por

um empregado da sua própria firma. 

A prisão teve como desfecho a morte de Niemeyer na

Rua dos Inválidos, após despencar da janela do gabinete da 4ª

Delegacia Auxiliar. O inquérito policial para apurar o fato, já

no governo de Washington Luís, foi determinado pelo Chefe

de Polícia Coriolano de Góes. Foi designado para presidi-lo o

dr. Arthur Cumplido de Sant’Anna, delegado da 1ª Delegacia

Auxiliar e indicado para acompanhar as apurações o promotor

público dr. Max Gomes de Paiva.



           Os anarquistas explodiam bombas em toda a cidade, criando insegurança total.

O relatório foi concluído com base em vários depoimentos

e, principalmente, no relato do investigador Eugênio

Joaquim Corrêa, com o seguinte teor: “no dia seguinte da

prisão, pela manhã, cerca de 10 horas, o investigador Correa

guardava o preso no gabinete do Delegado quando viu o Dr.

Chagas, Moreira Machado, Mandovani, Manoel da Costa, o

“26” e outros, aí entrarem para o Dr. Chagas submeter aquele

negociante a novo interrogatório, havendo nessa ocasião forte

discussão entre ambos, sendo então Niemeyer novamente agredido.

Proferindo palavras de repulsa e procurando defender-se,

foi assim até a janela, à direita de quem entra no gabinete, janela

larga, medindo um metro e 29 cm., de peitoril baixo, tendo

apenas 88 cm. de altura, foi atirado à rua, tão-somente porque

reagia à agressão recebida.”


          O chefe anarquista projetou-se da janela do 2º piso, da Chefatura de Polícia.

Depondo no inquérito policial o marechal Carneiro

da Fontoura, quando indagado das suas responsabilidades

em face do ocorrido na 4ª Delegacia optou por se eximir,

declarando nunca ter tido ingerência nas ações do órgão,

pois, segundo ele, todas eram comandadas diretamente pela

Presidência da República.

Os envolvidos no crime Francisco Anselmo das Chagas,

Moreira Machado, Mandovani e Manoel da Costa, o “26”, foram

denunciados perante o juízo da 1ª Vara Criminal, sendo

absolvidos por sentença do juiz Oliveira Figueiredo. Na apelação

dessa decisão interposta perante a 2ª Câmara Criminal

da Corte de Apelação, foi confirmada a sentença absolutória

por unanimidade, participando do julgamento os desembargadores

Vicente Piragibe, Arthur Soares e Costa Ribeiro.

O desfecho judiciário, para um acontecimento supostamente

criminoso e atentatório aos direitos humanos, torna-se

motivo de dúvidas e indagações. Teriam as testemunhas mudado

o teor dos seus depoimentos no curso da ação penal?

Teriam as terríveis lembranças das frequentes bombas detonadas

na cidade, associadas às atividades insurgentes dos

envolvidos, superado qualquer juízo de censura contra a violência

da repressão? Teria o laudo do Instituto Médico Legal

influenciado os julgadores por não poder distinguir as lesões

resultantes da queda das lesões do espancamento da vítima?

Enfim, foi um péssimo momento para a Polícia Civil da

República, que estava estruturada para cumprir a lei e respeitar

o cidadão de acordo com orientação humanista de Cardoso

de Castro, Alfredo Pinto, Leoni Ramos e outros, quando relacionada

às ações de um grupo de sicários constituído para

servir ao governo Bernardes. 

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

A CHEFATURA DE POLÍCIA NA REVOLUÇÃO DE 30

O dr. Coriolano de Araújo Góis Filho chefiou a Polícia

do Distrito Federal de novembro de 1926 a setembro

de 1930, quando foi nomeado Ministro do então Supremo

Tribunal Militar. No dia 26 de setembro de 1930, transmitiu

o cargo ao delegado de polícia dr. Pedro de Oliveira Ribeiro

Sobrinho em posse festiva com vários discursos homenageando

tanto o chefe afastado como o novo titular.

Em três de outubro de 1930, irrompeu no Rio Grande do

Sul o movimento revolucionário promovido pelos próceres da

Aliança Liberal com o apoio de Minas Gerais e Paraíba, assinalando

o momento de ruptura com o velho regime. Enquanto as

adesões se estendiam por todo o país, as tropas do Exército, sob

o comando do tenente-coronel Góis Monteiro, marchavam em

direção à São Paulo conseguindo angariar o apoio dos Estados

do Rio de Janeiro e Mato Grosso. Continuavam fiéis ao governo

federal São Paulo e Distrito Federal. Diante da iminência

do embate das tropas revolucionárias com as forças governistas

dispostas em Itararé, no dia 24 de outubro, os generais, Tasso

Fragoso, Chefe do Estado-Maior do Exército, e Mena Barreto,

Comandante da 1ª Região Militar, antecipando-se ao confronto

depuseram o Presidente Washington Luiz, formando uma

junta militar provisória, integrada também pelo Almirante José

Isaías de Noronha, ex-Comandante em Chefe da Esquadra e

representante da Armada. Tornou-se vitoriosa a Revolução de

30 com Getúlio Vargas à frente do Governo Provisório.

       Revolução de 30, Vargas no poder.

Vitorioso o golpe do Exército, multiplicaram-se as manifestações

populares espalhadas pelas ruas do Rio e acabou

por surgir um grupo que se dirigiu ao Palácio da Polícia, onde

pretendiam libertar os presos que porventura ali estivessem.

Estavam de serviço e permaneceram, com coragem, para enfrentar

a fúria popular, o delegado da 4ª Delegacia Auxiliar,

dr. Paula e Silva, o suplente de delegado Moreira Machado e o

policial Martins Vidal. Respeitável e destemida atitude desses

três policiais por não abandonar o posto de trabalho malgrado

a aproximação de desconhecidas ameaças. Enquanto os

três eram recolhidos ao xadrez, foram libertados quatro presos

dentre os quais o tenente João Cabanas da Força Pública

de São Paulo, participante da revolução paulista de 1924, chefiada

pelo general Isidoro Dias Lopes, preso dias antes na Rua

do Resende, denunciado por sua ex-mulher, atriz de teatro

italiana Olga Navarro (Olça Marduzzo Cabanas) por questões

relacionadas com a partilha de bens.

O Palácio da Rua da Relação, construído para sede central

dos serviços administrativos da Polícia Civil do Distrito

Federal e gabinete do Chefe de Polícia, nunca foi uma masmorra.

        A Revolução chegou ao Palácio da Relação.

O Presidente Washington Luiz, chefe de um governo

constitucional, em nada se assemelhava com os famigerados

ditadores da época. O prédio alojava, em grande parte,

serviços administrativos de pessoal, material, contabilidade,

tesouraria, gráfica, oficinas de manutenção de veículos, garagens

etc. Além destes, havia as quatro delegacias auxiliares,

cada qual especializada na investigação de determinadas modalidades

de infrações penais e mais os gabinetes periciais.

A turba, conduzida por hábeis insufladores, deparou-

-se com o delegado Luiz de Paula e Silva, que deixou a titularidade

do 30º Distrito Policial para assumir a chefia da 4ª

Delegacia Auxiliar. Moreira Machado estava nela lotado já há

alguns anos e Martins Vidal se especializou em investigar os

crimes contra o patrimônio. Os presos encontrados, em pequeno

número, eram de detenção recente, como no caso de

Cabanas. Por ironia, a ação dos manifestantes antes de derrubar

uma “Bastilha” prenunciava a vindoura falta da liberdade.

Seguiu-se uma corrida ao cargo de Chefe de Polícia, a

princípio, ocupado pelo capitão Carlos Chevalier. Em 25 de

outubro de 1930 assumiu o coronel José Sotero de Meneses, em

26 o coronel Bertoldo Klinger e em caráter efetivo João Batista

Luzardo, de 4 novembro daquele ano até março de 1932.

Parlamentar com fama de tribuno e guerreiro, Batista

Luzardo recebeu o cargo do coronel Klinger. Em discurso,

declarou-se “soldado mobilizado da revolução nacional, ainda

a frente de suas tropas, mal chegado à capital da República recebera

do comando supremo das forças libertadoras, ordem de

ocupar o setor da administração pública”. “Dava à revolução

que pregou e defendeu a continuidade do seu esforço e dedicação”.

E, continuando, disse, “respeitarei todos os direitos e

assegurarei todas as liberdades. Velarei pela ordem com carinho

que me merece a população desta nobre cidade”.

         Delegado Salgado Filho foi a primeira autoridade nomeada.

Um dos primeiros atos do novo Chefe de Polícia foi a nomeação,

por meio de portaria, do dr. Joaquim Pedro Salgado

Filho para titular da 4ª Delegacia Auxiliar. Salgado Filho era

advogado e militou em defesa dos presos políticos durante o

governo deposto. Após a saída de Luzardo, exerceu interinamente

a Chefia.

O Governo Provisório se institucionalizou com o decreto

de 11 de novembro de 1930. Foram dissolvidos o Congresso

Nacional, Assembleias Estaduais e Câmaras Municipais, e

assumiu Vargas poderes discricionários para governar.

O dispositivo citado previa a eleição de uma Assembleia

Constituinte, que substituiria a Constituição de 1891.

domingo, 23 de janeiro de 2022

A POLÍCIA ESPECIAL - 1932


As manifestações populares presenciadas por João Alberto

quando da sua Intervenção no Estado de São Paulo e as

dificuldades demonstradas pela Força Pública para conter as

multidões insufladas por agitadores, foram experiências que

o alertam sobre a necessidade de providências preventivas

contra semelhantes distúrbios na Capital Federal e o fez idealizar

uma corporação preparada de modo profissional para

enfrentar tais acontecimentos com mais eficiência e coragem.

      Choque da Polícia Especial, em 1933.

Em 5 de agosto de 1932, o governo federal aprovou a

criação da Polícia Especial, tropa de choque subordinada à

Polícia Civil do Distrito Federal, destinada a manter a ordem

quando assim fosse necessário. A sua atuação far-se-ia em casos

excepcionais, mantendo-se aquartelada e dispensada das

atividades de ronda do policiamento normal. Deveria se aprimorar

no condicionamento físico e no manejo das armas.

Iniciou com um efetivo de 180 homens selecionados na

Guarda Civil, na Polícia Militar, nos quadros esportivos dos

clubes do Rio e dentre ex-combatentes da Coluna Prestes. Para

serem admitidos os candidatos deveriam ter altura mínima de

1,75 m, robustez física, boa conduta, instrução geral, menos

de 30 anos e boa dentadura. Com um pagamento bom, atraiu

para as suas fileiras lutadores de boxe como Rubens Soares,

o jogador de futebol Russinho, remadores e nadadores como

Belline, Gaúcho, Pimenta, Serpa, Jujú, Hermínio e outros.

Havia dois uniformes: um azul-marinho, com polainas

brancas e quepe vermelho para solenidades e outro de serviço

na cor cáqui e quepe vermelho. Recebeu como armamento

as metralhadoras Hotchkiss cal. 7 mm, submetralhadoras,

Bergman, Suomi e Ina, revólveres Colt e Smith&Wesson, pistolas

Mauser e Luger, granadas de gás lacrimogêneo e efeito

moral, riot gun com munição de impacto, disentérica vomitiva

e de gás lacrimogêneo.

         Atletas da Polícia Especial.

O primeiro alojamento foi no Palácio das Festas da Feira

de Amostras de 1929 na Ponta do Calabouço, próximo ao

atual Museu Histórico Nacional, adaptado para instrução e

práticas desportivas.

Após dois meses da organização da polícia de choque, no

dia 22 de outubro de 1932, na Esplanada do Castelo, a corporação

recebeu o seu estandarte das mãos de Getúlio Vargas,

Chefe do Governo, presentes o Chefe de Polícia João Alberto

e o Primeiro Comandante Eusébio de Queiroz Filho.

         Sede da Polícia Especial, no Morro de Santo Antônio.

Depois, as suas instalações foram transferidas para o

Morro de Santo Antônio, onde permaneceu até o seu desmonte,

para fornecer material para o Aterro do Flamengo.

Em 11 de maio de 1938, quando integralistas sob o

comando do tenente Severo Fournier atacaram o Palácio

Guanabara, residência do Chefe de Estado, a Polícia Especial

foi a primeira tropa a dar combate aos atacantes.

Jorge de Oliveira Costa, ex-P.E., no seu livro “Uma Polícia

Muito Especial”, descreveu como funcionava o choque: “Em

dois minutos, no máximo, o choque tinha que estar pronto para

partir para uma missão. Por isso, os componentes escalados

permaneciam prontos para qualquer eventualidade. Mesmo,

deitados em descanso ficavam uniformizados com armas ao

lado. Quando tocava a sirene, ao terceiro apito, seus homens,

como num passe de mágica, já estavam embarcados no carro de

choque, que ficava sempre preparado para tal. Dois motociclistas

na frente abriam caminho com as suas sirenes e o caminhão

do choque, além da sirene, possuía um apito estridente que era

acoplado ao acelerador. Geralmente, com o som das sirenes todos

corriam, o que sempre facilitava a ação”.

          Desfile da P.E., em cerimônia no Morro de Santo Antônio.

Por ocasião da criação do serviço de radiopatrulha na

cidade, em 12 de janeiro de 1948, alguns policiais especiais

passaram a compor as suas guarnições. Eram 20 viaturas da

marca Chevrolet, modelo “De Luxe”, guarnecidas por dois policiais

especiais chefiados por um detetive.

A Polícia Especial foi extinta em 21 de abril de 1960 com

a mudança da capital para Brasília. A maior parte do efetivo

ficou no novo Estado da Guanabara e os policiais transformados

em detetives. Alguns optaram por permanecer na União

e, mais tarde, integraram a Polícia Federal.

         Foto da guarnição da Polícia Especial da década de 50.


domingo, 2 de janeiro de 2022

A POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DA GUANABARA

 

Em meados de junho de 1961, a Assembleia Legislativa

do Estado da Guanabara instaurou uma Comissão

Parlamentar de Inquérito para apurar a conivência das autoridades

estaduais com a contravenção do “jogo do bicho”

e a prostituição e era presidida pelo deputado socialista

Gerson Bergher.

Carlos Lacerda, determinado a construir uma rede de

escolas primárias, utilizou a intermediação de uma fundação

pública, a Fundação Otávio Mangabeira, para arrecadar contribuições

em dinheiro, provenientes de particulares, para o

pretendido fim.


Delegado Stockler - interceptou a corrupção de Lacerda.

A Delegacia de Costumes, dirigida pelo delegado Luís

Alexandre Lafaiete Stockler, apreendeu uma relação de cheques

de banqueiros do “jogo do bicho” doados ao governador

com destino à Fundação. Nas anotações, havia cheques de

José Alves Baião, no valor de Cr$ 250.000,00, Levi Cravo, Cr$

300.000,00, Rafael Palermo, Cr$ 250.000,00, Emílio Vitoriano

de Azevedo, Cr$ 250.000,00, Aristides Malta, 300.000,00 e

Emílio Abade, 500.000,00, todos já investigados pela prática

de delitos. Os cheques eram recebidos por meio de um intermediário

e o Governador os mandava depositar no Banco

do Estado da Guanabara. Tornando-se público o fato, o

Governador negou ter conhecimento, ensaiando reprimir os

doadores, o que não evitou a sua apuração por uma CPI.

Na CPI, foram ouvidos o delegado Stokler, o Chefe de

Polícia coronel Antônio Luís de Barros Nunes, Rafael de

Almeida Magalhães (Chefe de gabinete do Governador),

Raul de Miranda Santos (suspeito de intermediação das doações),

os delegados Galba Bueno Brandão e Iolando Pereira

da Costa, esses últimos, destituídos da titularidade de suas

delegacias por efetuarem a repressão do “jogo do bicho” nas

respectivas circunscrições.

Os trabalhos da CPI apontaram para conclusões como:

a contravenção e o lenocínio deram cheques assinados pelos

próprios delinquentes no valor de cinco milhões e quinhentos

mil cruzeiros à Fundação Otávio Mangabeira; quem recebeu

os cheques foi o próprio Governador no seu gabinete do

Palácio Guanabara; mesmo identificados os bicheiros filantropos

não foram tomadas providências legais contra eles; o

amigo do governador, que intermediava as doações, não foi

responsabilizado; o dinheiro das doações era depositado no

banco do Estado.

Com o golpe militar, poucos meses depois, esses fatos

acabaram sendo diluídos num contexto político ainda favorável

a Lacerda.

A nomeação do jurista e Professor de Direito Hélio

Tornaghi para Chefe de Polícia da Guanabara foi comemorada

pela Imprensa. No dia 17 de agosto de 1961, o “Correio da

Manhã” assinalou a importância do ingresso de um civil no

importante cargo.

“Excetuando-se um período entre 1945 e 1946, não tivemos paisanos

na chefia de Polícia durante muitos decênios. Generais

e coronéis mandaram na Rua da Relação. Foi uma tradição.

Teria sido uma tradição boa?

Não foi boa. Opõe-se a ela, antes de tudo, a nossa tradição

de combater a nomeação de militares para postos civis. Toda

a autoridade é falível porque exercida por homens. Os erros

de militares em postos civis, para os quais nem sempre estão

preparados, prejudicam a boa fama das Forças Armadas. Por

outro lado, os militares, acostumados a serem obedecidos, têm

o hábito de persistirem no erro. Não admitem discussão. Essa

mentalidade tem consequências inconvenientes, sobretudo na

chefia da Polícia de uma grande cidade, posto para o qual a

formação militar não prepara de maneira especial. A polícia

tem tarefas administrativas e jurídicas. Como as encara o militar?

Com espírito de mando. Mas o chefe de Polícia do Rio

de Janeiro não é, nem pode ser o comandante da população

do Rio de Janeiro.

Tivemos, infelizmente, oportunidade de observar o hábito de

tratar a todos como se fossem criminosos, ocorrendo violências

inadmissíveis”

Uma importante iniciativa do novo Chefe de Polícia foi

a criação de uma equipe técnica para comparecer aos locais

de crimes contra a pessoa, procedendo às perícias necessárias

e iniciando as investigações para a sua elucidação.

Após uma reunião com o Diretor de Polícia Técnica,

Diretores do Instituto Médico Legal, Instituto de Criminalística

e o Delegado de Segurança Pessoal, ficou deliberado

que a equipe seria formada por um médico legista, um perito

criminal e por pessoal de investigação.

No Dia do Soldado, 25 de agosto de 1961, o Presidente

da República, Jânio da Silva Quadros renunciou por suposta

falta de apoio parlamentar para dar continuidade ao seu programa

de governo.

Cabia ao Vice-Presidente da República, o Dr. João

Belchior Marques Goulart assumir a chefia da nação. A

frustração dos conservadores, que se alinharam com Jânio

na sua ascensão ao poder, inclusive os partidários da UDN

(União Democrática Nacional), tendo à frente o Governador

Lacerda, militares do grupo do “11 de Novembro”, desarticulados

pelo contra golpe do general Lott para garantir a posse

do Presidente Kubitschek e adversários dos programas de amparo

à classe trabalhadora e de defesa dos interesses nacionais,

defendidos pelo trabalhismo de João Goulart, aproveitando a

ausência deste, durante uma viagem oficial à China, articularam

um golpe de estado para impedir a sua posse. Na liderança

do complô estava uma junta formada pelos Ministros

Militares, Odílio Denys (da Guerra), Sílvio Heck (Marinha) e

Gabriel Grün Moss (Aeronáutica).

Os golpistas não tinham o apoio da totalidade das Forças

Armadas. Diante da resistência armada, iniciada no Rio

Grande do Sul pelo Governador Leonel Brizola com o apoio

do comandante do 3º Exército, general José Machado Lopes,

criou-se um impasse, resolvido após vários dias de tensão e

ameaça de guerra civil, mediante um acordo para a reforma

da Constituição Federal, introduzindo, através de emenda, o

parlamentarismo como sistema de governo.

Nas circunstâncias, o presidente assumiria o governo

com os seus poderes reduzidos e compartilhados com um

Primeiro-Ministro.

O Presidente Goulart tomou posse em 7 de setembro de

1961 e o seu Primeiro-Ministro foi Tancredo Neves. Em janeiro

de 1963, o povo brasileiro, por meio de um plebiscito

devolveu os poderes presidencialistas ao Presidente.

No Estado da Guanabara, enquanto perdurava a crise, o

Governador Carlos Lacerda censurava jornais, prendia adversários

políticos e reprimia manifestações populares como

se o país estivesse sob estado de sítio. Apostava no êxito

dos sediciosos.

Montou, no Departamento Estadual de Segurança

Pública, um esquema militar, chefiado pelo general Sizeno

Sarmento, mantendo esse dispositivo golpista, não obstante,

a posse do Presidente da República. Alijou dos cargos de direção,

por desconfiança, as autoridades civis. Como não poderia

deixar de ocorrer, diante desse quadro de ilegalidades,

afastou-se, da Chefia de Polícia, o Professor Hélio Tornaghi,

um mês após a posse. 

                                                 Professor Hélio Tornaghi


Desde o início, o grupo fez grande resistência contra

a nomeação de Tornaghi. O perito criminal aposentado,

Timbaúba da Silva, no seu artigo publicado no “Diário

Carioca” de 28 de setembro de 1961, explica:

“A turma de militares que se apossou de cargos chaves do

DESP e que deles ainda não se afastou, muito embora a taxativa

determinação do governo federal por meio de ordem do

primeiro-Ministro ao titular da Guerra, só tem tido uma preocupação:

desmoralizar o civil e ferir o jurista.

Deixando o DESP, o professor Tornaghi não prejudica o seu passado

e salva o seu presente no conceito dos que o admiram.

Perde o DESP um grande chefe e ganham os inimigos da

Constituição uma grande vitória, o que lhes permitirá continuar

a exercer o seu esquema contra a ordem pública e a democracia

nacional.”

Uma plêiade de Chefes de Polícia se sucedeu no Prédio

Histórico da Rua da Relação no ano de 1962. José de Segadas

Viana, ex-ministro do trabalho, exerceu o cargo por curto

período, afastando-se diante de imputações feitas pelo coronel

Ardovino Barbosa, as quais não foram comprovadas.

O promotor Eugênio Sigaud o substituiu em caráter interino

até a nomeação definitiva do curador Newton Marques

Cruz em abril.

No mês de maio de 1962, dias após a inauguração da

Exposição Soviética da Indústria e Comércio no Rio de Janeiro,

sediada no Pavilhão de São Cristóvão, a polícia encontrou um

potente artefato explosivo com potencial para arrasar o local da

mostra e adjacências. O petardo foi examinado pelos peritos

do Instituto de Criminalística Sérgio Pessoa, Wolmen Joaquim

Lima e Milton Rocha da Silva e considerado apto para alcançar

os resultados lesivos para os quais foi projetado.

O major reformado da Aeronáutica, José Chaves

Lameirão, participante dos acontecimentos de Aragarças,

assumiu a autoria da ação terrorista e envolveu outros indivíduos

do grupo radical de direita “MAC – Movimento

Anticomunista”, liderado pelo almirante Silvio Heck. Contra

ele foi instaurado um inquérito policial militar, obedecendo à

determinação do Ministro da Aeronáutica.

Pela Lei nº 263, de 24/12/1962, foi criada a nova Secretaria

de Segurança Pública do Estado da Guanabara – SSP e definida

a respectiva estrutura.

Substituiu o Departamento Estadual de Segurança

Pública, em funcionamento desde os primeiros dias do nascimento

do estado. Organizou-se nos moldes das estruturas

administrativas das Secretarias de Segurança dos demais estados

da federação.

O coronel aviador Gustavo Eugênio de Oliveira Borges,

antigo diretor do Departamento de Correios e Telégrafos no

governo Jânio Quadros, foi nomeado como o primeiro secretário.

Era amigo de Lacerda e um dos quatro oficiais da FAB

que faziam a sua segurança pessoal na época do atentado da

Rua Tonelero.

A Polícia Civil teve a estrutura esquartejada, seus órgãos

e corporações foram pulverizados no organograma da

secretaria:

• Inspetoria Geral

• Superintendência de Polícia Judiciária

• Departamento de Polícia Distrital – DPD

• Departamento de Polícia Especializada – DPE

• Superintendência Executiva

• Superintendência de Administração e Serviços

• Força Policial

     Força Policial, integrada pela Guarda Civil e Polícia de Vigilância


• Polícia de Vigilância

• Guarda Civil

• Corpo Marítimo de Salvamento

• Escola de Polícia

A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros, embora subordinados

à SSP, funcionavam como estruturas independentes.

A politicagem de Lacerda e a má vontade de Borges

procuraram desconstruir a Polícia Civil do Estado da

Guanabara, dividindo-a administrativa e operacionalmente,

entregando os seus retalhos aos apaniguados. Os delegados

de polícia foram preteridos nas direções, sempre destinadas

a um militar do esquema golpista do governador ou outro

amigo à espera de colocação.

O desapreço de Borges pelos delegados pode ter surgido

num episódio de 1954, durante a apuração do crime da

Tonelero, quando o aviador, a serviço de Lacerda, na ocasião,

jornalista e dono do jornal “Tribuna da Imprensa”, entrou no

Distrito Policial de Copacabana, onde tramitava o inquérito

e dirigindo-se ao seu delegado titular, dr. Jorge Pastor de

Oliveira, ordenou que o acompanhasse porque o jornalista

queria vê-lo.

Pastor mostrou a impossibilidade de atendê-lo naquele

momento, mas no final do expediente, iria à casa do solicitante.

Borges, sacando de uma pistola, determinou que deveria

obedecê-lo de imediato. Na sala, estava o delegado substituto

Ivan Vasquez e, ao ver a desrespeitosa cena, fez um saque cruzado

dos seus dois revólveres e mandou Borges sair do distrito.

Expulso, engoliu a humilhação no momento, mas não

a esqueceu. Tempos depois, essa figura desajustada se tornou

responsável pela segurança pública dos sofridos cariocas.

Com a criação da Superintendência de Polícia Judiciária

e com o cargo de superintendente vedado aos delegados,

devem ter insistido para o antigo Chefe de Polícia Newton

Marques Cruz assumi-lo. Assim, ele se torna o primeiro

superintendente e permaneceu no cargo até novembro de

1963, sendo substituído pelo promotor Paulo Sales Guerra.

Dois fatos policiais, acompanhados com interesse

pelo público, ocorreram em 1960 e 1961. O primeiro, o assalto

ao trem de pagamentos da Estrada de Ferro Central

do Brasil, em 14 de junho de 1960, em Botais, município de

Vassouras. O crime ficou conhecido como “Assalto ao Trem

Pagador”. Foi executado por Sebastião de Souza, o “Tião

Medonho” e quadrilha, quando roubaram a quantia de dez

milhões de cruzeiros.

Depois de 355 dias do evento, o delegado de Caxias,

Amil Nei Rechaid, responsável pelas investigações, recuperou

os últimos cinco milhões, parte da res furtiva ainda não encontrada,

encerrando com sucesso o caso.

O desaparecimento da tcheca Dana Teffé foi o rumoroso

caso de outubro de 1961. Havia a suspeita do envolvimento

do seu advogado, Leopoldo Heitor, por querer se apoderar

dos bens da sua constituinte. As investigações, também a

cargo do delegado Amil Rechaid, embora não chegassem ao

paradeiro de Dana, reuniram elementos suficientes para uma

primeira condenação de 35 anos de reclusão por homicídio

triplamente qualificado em 1963. Em ambos crimes, o delegado

fluminense contou com a colaboração da polícia carioca.

As questões que afetavam institucionalmente a Polícia

Civil e conduziam ao seu enfraquecimento suscitaram um

clamor de 29 delegados de polícia. Por meio do memorial

de abril de 1962, dirigido ao Poder Legislativo, mostraram

as consequências danosas da administração, incompetente,

irresponsável e imoral do Poder Executivo sobre a atividade

policial no curso dos últimos decênios.

O documento era não só um protesto, expunha a realidade

histórica vivenciada pela instituição. Na prática, não

causou nenhum efeito porque o atendimento das questões

reclamadas dependia de governantes com melhor perfil. Por

representar um marco da luta da classe policial em prol do

aperfeiçoamento e do desejo de bem servir, o memorial é reproduzido

no próximo capítulo.

O funcionalismo público temia o governo de Lacerda,

filiado à União Democrática Nacional, partido político que

sustentava contra ele um discurso demagógico, apontando-o

como uma classe cujo baixo rendimento tornava-a onerosa à

administração pública e até dispensável. Criavam um “bode

expiatório” para confundir o seu eleitorado, fingindo esquecer

o enorme alcance dos serviços mantidos pelo governo em prol

da sociedade em geral e dos mais carentes. O discurso ainda

está presente nas correntes conservadoras quando imputam as

dificuldades financeiras do erário às controladas despesas com

o servidor, omitindo-se diante das enormes verbas desperdiçadas

com gastos irresponsáveis do poder.

Os servidores policiais, transferidos da administração

do antigo Distrito Federal para o Estado da Guanabara, nos

termos da Lei Santiago Dantas, tiveram a investidura federal

mantida pela Comissão de Classificação de Cargos da

Presidência da República em janeiro de 1961. Como servidores

de investidura federal puderam optar por continuar prestando

serviço ao estado ou trabalhar na órbita federal.

Optaram para o serviço público federal 14.902 servidores

e adidos ao Ministério da Justiça passaram a aguardar a

criação da Polícia Federal, quando poderiam ser transferidos

para Brasília. Os servidores optantes da Polícia Civil estavam

sob a direção do comissário de polícia Laudelino Coelho e

foram lotados provisoriamente na SUPRA (Superintendência

da Política Agrária), SUNAB (Superintendência Nacional do

Abastecimento), INTERPOL (Organização Internacional de

Polícia Criminal) e outros órgãos federais.

“O perito Timbaúba da Silva, em seu artigo semanal no

“Diário Carioca”, de 23/04/1964, descreveu a situação da segurança

pública da Guanabara resultante das opções:

“Sem dúvida nenhuma a opção, em favor da União, de algumas

centenas de policiais, de todas as categorias, criou, para a

Guanabara, um problema bem sério que seu governador, em

tempo, não quis ou não pôde solucionar. Em consequência,

o policiamento da cidade, que já era precário, caiu de muito,

ficando a população entregue completamente a sua sorte sem

poder contar com o menor auxílio por parte das autoridades

responsáveis pela segurança pública.”

Prosseguindo, enumerou a deficiência da ação policial

na repressão aos crimes contra a Economia Popular com reais

prejuízos ao povo pelo aumento da ação ilegal dos comerciantes,

com relação aos assaltos que passaram a ocorrer à luz do

dia e em lugares movimentados, sobre o aumento da venda

da maconha, a liberação dos exploradores do lenocínio e das

casas de prostituição etc.

Durante o período de extrema carência de pessoal na

Polícia Civil, o governo valeu-se do efetivo da Polícia de

Vigilância, oriunda da administração municipal e do apoio

dos delegados e comissários de polícia, admitidos nos mais

recentes concursos da Escola de Polícia.

As delegacias foram tomadas por funcionários que,

antes eram vigilantes municipais, pouco letrados, com prática

limitada à proteção de parques e jardins, fiscalização

de camelôs e feiras livres. Substituíram policiais antigos,

experimentados no exercício das atividades de polícia judiciária,

naquele momento, afastados do Estado e lotados

do Ministério da Justiça. Não levou muito tempo para que

surgissem os efeitos indesejados da queda na qualidade dos

serviços e dos deslizes éticos.

Em junho de 1964, uma equipe do detetive João Macedo,

da Divisão de Polícia Política e Social, desmantelou a fortaleza

do banqueiro do “jogo do bicho” Mazinho, na Rua Arquias

Cordeiro no Méier. Foi apreendido em poder do gerente do

contraventor, Luiz Jorge Franco, um caderno com os nomes

de centenas de policiais. Era o chamado “gibi”, relação dos nomes

dos funcionários que recebiam propinas e os respectivos

valores. Outra diligência foi feita por Macedo em Madureira,

na fortaleza do contraventor “Natal, da Portela” ou Natalino

José do Nascimento.

Luiz Franco ainda tentou, mediante a oferta de dez milhões

de cruzeiros, oferecidos ao Detetive Macedo, evitar a

apreensão do “gibi”, mas de nada valeram as suas ofertas e

súplicas.

Uma nota sobre o fato foi distribuída, no dia 23 de junho

de 1964, pela Superintendência de Polícia Judiciária: “No sábado

último, cerca das dezenove horas, o Superintendente de

Polícia Judiciária recebeu comunicação de que fora apresentado,

preso em flagrante, na Delegacia de Costumes, o contraventor

Luiz Jorge Franco, em poder do qual, entre outras coisas,

fora apreendida uma pasta de couro, em cujo interior havia um

caderno com relação de policiais que vinham recebendo propinas

de contraventores do “jogo do bicho”.

Configurando esses fatos, crimes de ação pública, além

de ilícito administrativo, determinou o Superintendente a

instauração de inquérito policial, pelo delegado Raul Lopes

de Faria, da Delegacia de Defraudações, bem como o envio

de cópias das peças ao Secretário de Segurança para

fins administrativos.

O encaminhamento do assunto deveria ficar circunscrito

à esfera estadual com a remessa do inquérito policial à justiça

para o julgamento dos crimes atribuídos aos policiais e contraventores

e à Corregedoria Geral de Polícia, para propor,

diante do exame da conduta de cada um dos envolvidos, o

grau de punição a ser atribuído.

No entanto, o País já se achava em regime de exceção,

decorrente do golpe de estado de 31 de março de 1964. A força

irresistível do poder dos novos senhores dos destinos da

nação fez a investigação do episódio de corrupção localizada

gravitar da mesa do superintendente da S.P.J. para a Comissão

Geral de Investigações, órgão do governo da União sob o comando

do marechal Taurino de Rezende, destinado a apurar a

corrupção no país. Cogitou-se a abertura de IPM – Inquérito

Policial Militar para, após conhecida a extensão das responsabilidades

dos cem policiais investigados, a aplicação de

punições segundo as normas ditadas pelo Ato Institucional,

dirigidas aos inimigos do regime.

Os fatos causavam profunda tristeza e desconforto para

a maioria dos efetivos policiais, formados por profissionais

honestos que dedicavam as suas vidas à instituição e ao

cumprimento do dever. Para agravar, ocorrências envolvendo

propina associavam a polícia com a corrupção de funcionários

faltosos, quando os desvios não eram institucionais,

mas individuais.

O diretor da Divisão de Polícia Política e Social - DPPS,

entre os anos de 1964 e 65, era Cecil de Macedo Borer. Antes,

integrou o extinto quadro de inspetores de polícia política,

cargo em que exerceu por mais tempo as suas funções.

Como foi mostrado, essa investigação originou-se na DPPS, 

órgão reconhecido por sua idoneidade.


A PEC DA SEGURANÇA PÚBLICA E A PROVIDÊNCIA ACERTADA PARA A CRIAÇÃO DA POLÍCIA OSTENSIVA FEDERAL - CIVIL

Durante a discussão sobre a PEC da segurança pública, muitos governadores se insurgiram contra a proposta de normas federais destinadas a co...