domingo, 2 de janeiro de 2022

A POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DA GUANABARA

 

Em meados de junho de 1961, a Assembleia Legislativa

do Estado da Guanabara instaurou uma Comissão

Parlamentar de Inquérito para apurar a conivência das autoridades

estaduais com a contravenção do “jogo do bicho”

e a prostituição e era presidida pelo deputado socialista

Gerson Bergher.

Carlos Lacerda, determinado a construir uma rede de

escolas primárias, utilizou a intermediação de uma fundação

pública, a Fundação Otávio Mangabeira, para arrecadar contribuições

em dinheiro, provenientes de particulares, para o

pretendido fim.


Delegado Stockler - interceptou a corrupção de Lacerda.

A Delegacia de Costumes, dirigida pelo delegado Luís

Alexandre Lafaiete Stockler, apreendeu uma relação de cheques

de banqueiros do “jogo do bicho” doados ao governador

com destino à Fundação. Nas anotações, havia cheques de

José Alves Baião, no valor de Cr$ 250.000,00, Levi Cravo, Cr$

300.000,00, Rafael Palermo, Cr$ 250.000,00, Emílio Vitoriano

de Azevedo, Cr$ 250.000,00, Aristides Malta, 300.000,00 e

Emílio Abade, 500.000,00, todos já investigados pela prática

de delitos. Os cheques eram recebidos por meio de um intermediário

e o Governador os mandava depositar no Banco

do Estado da Guanabara. Tornando-se público o fato, o

Governador negou ter conhecimento, ensaiando reprimir os

doadores, o que não evitou a sua apuração por uma CPI.

Na CPI, foram ouvidos o delegado Stokler, o Chefe de

Polícia coronel Antônio Luís de Barros Nunes, Rafael de

Almeida Magalhães (Chefe de gabinete do Governador),

Raul de Miranda Santos (suspeito de intermediação das doações),

os delegados Galba Bueno Brandão e Iolando Pereira

da Costa, esses últimos, destituídos da titularidade de suas

delegacias por efetuarem a repressão do “jogo do bicho” nas

respectivas circunscrições.

Os trabalhos da CPI apontaram para conclusões como:

a contravenção e o lenocínio deram cheques assinados pelos

próprios delinquentes no valor de cinco milhões e quinhentos

mil cruzeiros à Fundação Otávio Mangabeira; quem recebeu

os cheques foi o próprio Governador no seu gabinete do

Palácio Guanabara; mesmo identificados os bicheiros filantropos

não foram tomadas providências legais contra eles; o

amigo do governador, que intermediava as doações, não foi

responsabilizado; o dinheiro das doações era depositado no

banco do Estado.

Com o golpe militar, poucos meses depois, esses fatos

acabaram sendo diluídos num contexto político ainda favorável

a Lacerda.

A nomeação do jurista e Professor de Direito Hélio

Tornaghi para Chefe de Polícia da Guanabara foi comemorada

pela Imprensa. No dia 17 de agosto de 1961, o “Correio da

Manhã” assinalou a importância do ingresso de um civil no

importante cargo.

“Excetuando-se um período entre 1945 e 1946, não tivemos paisanos

na chefia de Polícia durante muitos decênios. Generais

e coronéis mandaram na Rua da Relação. Foi uma tradição.

Teria sido uma tradição boa?

Não foi boa. Opõe-se a ela, antes de tudo, a nossa tradição

de combater a nomeação de militares para postos civis. Toda

a autoridade é falível porque exercida por homens. Os erros

de militares em postos civis, para os quais nem sempre estão

preparados, prejudicam a boa fama das Forças Armadas. Por

outro lado, os militares, acostumados a serem obedecidos, têm

o hábito de persistirem no erro. Não admitem discussão. Essa

mentalidade tem consequências inconvenientes, sobretudo na

chefia da Polícia de uma grande cidade, posto para o qual a

formação militar não prepara de maneira especial. A polícia

tem tarefas administrativas e jurídicas. Como as encara o militar?

Com espírito de mando. Mas o chefe de Polícia do Rio

de Janeiro não é, nem pode ser o comandante da população

do Rio de Janeiro.

Tivemos, infelizmente, oportunidade de observar o hábito de

tratar a todos como se fossem criminosos, ocorrendo violências

inadmissíveis”

Uma importante iniciativa do novo Chefe de Polícia foi

a criação de uma equipe técnica para comparecer aos locais

de crimes contra a pessoa, procedendo às perícias necessárias

e iniciando as investigações para a sua elucidação.

Após uma reunião com o Diretor de Polícia Técnica,

Diretores do Instituto Médico Legal, Instituto de Criminalística

e o Delegado de Segurança Pessoal, ficou deliberado

que a equipe seria formada por um médico legista, um perito

criminal e por pessoal de investigação.

No Dia do Soldado, 25 de agosto de 1961, o Presidente

da República, Jânio da Silva Quadros renunciou por suposta

falta de apoio parlamentar para dar continuidade ao seu programa

de governo.

Cabia ao Vice-Presidente da República, o Dr. João

Belchior Marques Goulart assumir a chefia da nação. A

frustração dos conservadores, que se alinharam com Jânio

na sua ascensão ao poder, inclusive os partidários da UDN

(União Democrática Nacional), tendo à frente o Governador

Lacerda, militares do grupo do “11 de Novembro”, desarticulados

pelo contra golpe do general Lott para garantir a posse

do Presidente Kubitschek e adversários dos programas de amparo

à classe trabalhadora e de defesa dos interesses nacionais,

defendidos pelo trabalhismo de João Goulart, aproveitando a

ausência deste, durante uma viagem oficial à China, articularam

um golpe de estado para impedir a sua posse. Na liderança

do complô estava uma junta formada pelos Ministros

Militares, Odílio Denys (da Guerra), Sílvio Heck (Marinha) e

Gabriel Grün Moss (Aeronáutica).

Os golpistas não tinham o apoio da totalidade das Forças

Armadas. Diante da resistência armada, iniciada no Rio

Grande do Sul pelo Governador Leonel Brizola com o apoio

do comandante do 3º Exército, general José Machado Lopes,

criou-se um impasse, resolvido após vários dias de tensão e

ameaça de guerra civil, mediante um acordo para a reforma

da Constituição Federal, introduzindo, através de emenda, o

parlamentarismo como sistema de governo.

Nas circunstâncias, o presidente assumiria o governo

com os seus poderes reduzidos e compartilhados com um

Primeiro-Ministro.

O Presidente Goulart tomou posse em 7 de setembro de

1961 e o seu Primeiro-Ministro foi Tancredo Neves. Em janeiro

de 1963, o povo brasileiro, por meio de um plebiscito

devolveu os poderes presidencialistas ao Presidente.

No Estado da Guanabara, enquanto perdurava a crise, o

Governador Carlos Lacerda censurava jornais, prendia adversários

políticos e reprimia manifestações populares como

se o país estivesse sob estado de sítio. Apostava no êxito

dos sediciosos.

Montou, no Departamento Estadual de Segurança

Pública, um esquema militar, chefiado pelo general Sizeno

Sarmento, mantendo esse dispositivo golpista, não obstante,

a posse do Presidente da República. Alijou dos cargos de direção,

por desconfiança, as autoridades civis. Como não poderia

deixar de ocorrer, diante desse quadro de ilegalidades,

afastou-se, da Chefia de Polícia, o Professor Hélio Tornaghi,

um mês após a posse. 

                                                 Professor Hélio Tornaghi


Desde o início, o grupo fez grande resistência contra

a nomeação de Tornaghi. O perito criminal aposentado,

Timbaúba da Silva, no seu artigo publicado no “Diário

Carioca” de 28 de setembro de 1961, explica:

“A turma de militares que se apossou de cargos chaves do

DESP e que deles ainda não se afastou, muito embora a taxativa

determinação do governo federal por meio de ordem do

primeiro-Ministro ao titular da Guerra, só tem tido uma preocupação:

desmoralizar o civil e ferir o jurista.

Deixando o DESP, o professor Tornaghi não prejudica o seu passado

e salva o seu presente no conceito dos que o admiram.

Perde o DESP um grande chefe e ganham os inimigos da

Constituição uma grande vitória, o que lhes permitirá continuar

a exercer o seu esquema contra a ordem pública e a democracia

nacional.”

Uma plêiade de Chefes de Polícia se sucedeu no Prédio

Histórico da Rua da Relação no ano de 1962. José de Segadas

Viana, ex-ministro do trabalho, exerceu o cargo por curto

período, afastando-se diante de imputações feitas pelo coronel

Ardovino Barbosa, as quais não foram comprovadas.

O promotor Eugênio Sigaud o substituiu em caráter interino

até a nomeação definitiva do curador Newton Marques

Cruz em abril.

No mês de maio de 1962, dias após a inauguração da

Exposição Soviética da Indústria e Comércio no Rio de Janeiro,

sediada no Pavilhão de São Cristóvão, a polícia encontrou um

potente artefato explosivo com potencial para arrasar o local da

mostra e adjacências. O petardo foi examinado pelos peritos

do Instituto de Criminalística Sérgio Pessoa, Wolmen Joaquim

Lima e Milton Rocha da Silva e considerado apto para alcançar

os resultados lesivos para os quais foi projetado.

O major reformado da Aeronáutica, José Chaves

Lameirão, participante dos acontecimentos de Aragarças,

assumiu a autoria da ação terrorista e envolveu outros indivíduos

do grupo radical de direita “MAC – Movimento

Anticomunista”, liderado pelo almirante Silvio Heck. Contra

ele foi instaurado um inquérito policial militar, obedecendo à

determinação do Ministro da Aeronáutica.

Pela Lei nº 263, de 24/12/1962, foi criada a nova Secretaria

de Segurança Pública do Estado da Guanabara – SSP e definida

a respectiva estrutura.

Substituiu o Departamento Estadual de Segurança

Pública, em funcionamento desde os primeiros dias do nascimento

do estado. Organizou-se nos moldes das estruturas

administrativas das Secretarias de Segurança dos demais estados

da federação.

O coronel aviador Gustavo Eugênio de Oliveira Borges,

antigo diretor do Departamento de Correios e Telégrafos no

governo Jânio Quadros, foi nomeado como o primeiro secretário.

Era amigo de Lacerda e um dos quatro oficiais da FAB

que faziam a sua segurança pessoal na época do atentado da

Rua Tonelero.

A Polícia Civil teve a estrutura esquartejada, seus órgãos

e corporações foram pulverizados no organograma da

secretaria:

• Inspetoria Geral

• Superintendência de Polícia Judiciária

• Departamento de Polícia Distrital – DPD

• Departamento de Polícia Especializada – DPE

• Superintendência Executiva

• Superintendência de Administração e Serviços

• Força Policial

     Força Policial, integrada pela Guarda Civil e Polícia de Vigilância


• Polícia de Vigilância

• Guarda Civil

• Corpo Marítimo de Salvamento

• Escola de Polícia

A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros, embora subordinados

à SSP, funcionavam como estruturas independentes.

A politicagem de Lacerda e a má vontade de Borges

procuraram desconstruir a Polícia Civil do Estado da

Guanabara, dividindo-a administrativa e operacionalmente,

entregando os seus retalhos aos apaniguados. Os delegados

de polícia foram preteridos nas direções, sempre destinadas

a um militar do esquema golpista do governador ou outro

amigo à espera de colocação.

O desapreço de Borges pelos delegados pode ter surgido

num episódio de 1954, durante a apuração do crime da

Tonelero, quando o aviador, a serviço de Lacerda, na ocasião,

jornalista e dono do jornal “Tribuna da Imprensa”, entrou no

Distrito Policial de Copacabana, onde tramitava o inquérito

e dirigindo-se ao seu delegado titular, dr. Jorge Pastor de

Oliveira, ordenou que o acompanhasse porque o jornalista

queria vê-lo.

Pastor mostrou a impossibilidade de atendê-lo naquele

momento, mas no final do expediente, iria à casa do solicitante.

Borges, sacando de uma pistola, determinou que deveria

obedecê-lo de imediato. Na sala, estava o delegado substituto

Ivan Vasquez e, ao ver a desrespeitosa cena, fez um saque cruzado

dos seus dois revólveres e mandou Borges sair do distrito.

Expulso, engoliu a humilhação no momento, mas não

a esqueceu. Tempos depois, essa figura desajustada se tornou

responsável pela segurança pública dos sofridos cariocas.

Com a criação da Superintendência de Polícia Judiciária

e com o cargo de superintendente vedado aos delegados,

devem ter insistido para o antigo Chefe de Polícia Newton

Marques Cruz assumi-lo. Assim, ele se torna o primeiro

superintendente e permaneceu no cargo até novembro de

1963, sendo substituído pelo promotor Paulo Sales Guerra.

Dois fatos policiais, acompanhados com interesse

pelo público, ocorreram em 1960 e 1961. O primeiro, o assalto

ao trem de pagamentos da Estrada de Ferro Central

do Brasil, em 14 de junho de 1960, em Botais, município de

Vassouras. O crime ficou conhecido como “Assalto ao Trem

Pagador”. Foi executado por Sebastião de Souza, o “Tião

Medonho” e quadrilha, quando roubaram a quantia de dez

milhões de cruzeiros.

Depois de 355 dias do evento, o delegado de Caxias,

Amil Nei Rechaid, responsável pelas investigações, recuperou

os últimos cinco milhões, parte da res furtiva ainda não encontrada,

encerrando com sucesso o caso.

O desaparecimento da tcheca Dana Teffé foi o rumoroso

caso de outubro de 1961. Havia a suspeita do envolvimento

do seu advogado, Leopoldo Heitor, por querer se apoderar

dos bens da sua constituinte. As investigações, também a

cargo do delegado Amil Rechaid, embora não chegassem ao

paradeiro de Dana, reuniram elementos suficientes para uma

primeira condenação de 35 anos de reclusão por homicídio

triplamente qualificado em 1963. Em ambos crimes, o delegado

fluminense contou com a colaboração da polícia carioca.

As questões que afetavam institucionalmente a Polícia

Civil e conduziam ao seu enfraquecimento suscitaram um

clamor de 29 delegados de polícia. Por meio do memorial

de abril de 1962, dirigido ao Poder Legislativo, mostraram

as consequências danosas da administração, incompetente,

irresponsável e imoral do Poder Executivo sobre a atividade

policial no curso dos últimos decênios.

O documento era não só um protesto, expunha a realidade

histórica vivenciada pela instituição. Na prática, não

causou nenhum efeito porque o atendimento das questões

reclamadas dependia de governantes com melhor perfil. Por

representar um marco da luta da classe policial em prol do

aperfeiçoamento e do desejo de bem servir, o memorial é reproduzido

no próximo capítulo.

O funcionalismo público temia o governo de Lacerda,

filiado à União Democrática Nacional, partido político que

sustentava contra ele um discurso demagógico, apontando-o

como uma classe cujo baixo rendimento tornava-a onerosa à

administração pública e até dispensável. Criavam um “bode

expiatório” para confundir o seu eleitorado, fingindo esquecer

o enorme alcance dos serviços mantidos pelo governo em prol

da sociedade em geral e dos mais carentes. O discurso ainda

está presente nas correntes conservadoras quando imputam as

dificuldades financeiras do erário às controladas despesas com

o servidor, omitindo-se diante das enormes verbas desperdiçadas

com gastos irresponsáveis do poder.

Os servidores policiais, transferidos da administração

do antigo Distrito Federal para o Estado da Guanabara, nos

termos da Lei Santiago Dantas, tiveram a investidura federal

mantida pela Comissão de Classificação de Cargos da

Presidência da República em janeiro de 1961. Como servidores

de investidura federal puderam optar por continuar prestando

serviço ao estado ou trabalhar na órbita federal.

Optaram para o serviço público federal 14.902 servidores

e adidos ao Ministério da Justiça passaram a aguardar a

criação da Polícia Federal, quando poderiam ser transferidos

para Brasília. Os servidores optantes da Polícia Civil estavam

sob a direção do comissário de polícia Laudelino Coelho e

foram lotados provisoriamente na SUPRA (Superintendência

da Política Agrária), SUNAB (Superintendência Nacional do

Abastecimento), INTERPOL (Organização Internacional de

Polícia Criminal) e outros órgãos federais.

“O perito Timbaúba da Silva, em seu artigo semanal no

“Diário Carioca”, de 23/04/1964, descreveu a situação da segurança

pública da Guanabara resultante das opções:

“Sem dúvida nenhuma a opção, em favor da União, de algumas

centenas de policiais, de todas as categorias, criou, para a

Guanabara, um problema bem sério que seu governador, em

tempo, não quis ou não pôde solucionar. Em consequência,

o policiamento da cidade, que já era precário, caiu de muito,

ficando a população entregue completamente a sua sorte sem

poder contar com o menor auxílio por parte das autoridades

responsáveis pela segurança pública.”

Prosseguindo, enumerou a deficiência da ação policial

na repressão aos crimes contra a Economia Popular com reais

prejuízos ao povo pelo aumento da ação ilegal dos comerciantes,

com relação aos assaltos que passaram a ocorrer à luz do

dia e em lugares movimentados, sobre o aumento da venda

da maconha, a liberação dos exploradores do lenocínio e das

casas de prostituição etc.

Durante o período de extrema carência de pessoal na

Polícia Civil, o governo valeu-se do efetivo da Polícia de

Vigilância, oriunda da administração municipal e do apoio

dos delegados e comissários de polícia, admitidos nos mais

recentes concursos da Escola de Polícia.

As delegacias foram tomadas por funcionários que,

antes eram vigilantes municipais, pouco letrados, com prática

limitada à proteção de parques e jardins, fiscalização

de camelôs e feiras livres. Substituíram policiais antigos,

experimentados no exercício das atividades de polícia judiciária,

naquele momento, afastados do Estado e lotados

do Ministério da Justiça. Não levou muito tempo para que

surgissem os efeitos indesejados da queda na qualidade dos

serviços e dos deslizes éticos.

Em junho de 1964, uma equipe do detetive João Macedo,

da Divisão de Polícia Política e Social, desmantelou a fortaleza

do banqueiro do “jogo do bicho” Mazinho, na Rua Arquias

Cordeiro no Méier. Foi apreendido em poder do gerente do

contraventor, Luiz Jorge Franco, um caderno com os nomes

de centenas de policiais. Era o chamado “gibi”, relação dos nomes

dos funcionários que recebiam propinas e os respectivos

valores. Outra diligência foi feita por Macedo em Madureira,

na fortaleza do contraventor “Natal, da Portela” ou Natalino

José do Nascimento.

Luiz Franco ainda tentou, mediante a oferta de dez milhões

de cruzeiros, oferecidos ao Detetive Macedo, evitar a

apreensão do “gibi”, mas de nada valeram as suas ofertas e

súplicas.

Uma nota sobre o fato foi distribuída, no dia 23 de junho

de 1964, pela Superintendência de Polícia Judiciária: “No sábado

último, cerca das dezenove horas, o Superintendente de

Polícia Judiciária recebeu comunicação de que fora apresentado,

preso em flagrante, na Delegacia de Costumes, o contraventor

Luiz Jorge Franco, em poder do qual, entre outras coisas,

fora apreendida uma pasta de couro, em cujo interior havia um

caderno com relação de policiais que vinham recebendo propinas

de contraventores do “jogo do bicho”.

Configurando esses fatos, crimes de ação pública, além

de ilícito administrativo, determinou o Superintendente a

instauração de inquérito policial, pelo delegado Raul Lopes

de Faria, da Delegacia de Defraudações, bem como o envio

de cópias das peças ao Secretário de Segurança para

fins administrativos.

O encaminhamento do assunto deveria ficar circunscrito

à esfera estadual com a remessa do inquérito policial à justiça

para o julgamento dos crimes atribuídos aos policiais e contraventores

e à Corregedoria Geral de Polícia, para propor,

diante do exame da conduta de cada um dos envolvidos, o

grau de punição a ser atribuído.

No entanto, o País já se achava em regime de exceção,

decorrente do golpe de estado de 31 de março de 1964. A força

irresistível do poder dos novos senhores dos destinos da

nação fez a investigação do episódio de corrupção localizada

gravitar da mesa do superintendente da S.P.J. para a Comissão

Geral de Investigações, órgão do governo da União sob o comando

do marechal Taurino de Rezende, destinado a apurar a

corrupção no país. Cogitou-se a abertura de IPM – Inquérito

Policial Militar para, após conhecida a extensão das responsabilidades

dos cem policiais investigados, a aplicação de

punições segundo as normas ditadas pelo Ato Institucional,

dirigidas aos inimigos do regime.

Os fatos causavam profunda tristeza e desconforto para

a maioria dos efetivos policiais, formados por profissionais

honestos que dedicavam as suas vidas à instituição e ao

cumprimento do dever. Para agravar, ocorrências envolvendo

propina associavam a polícia com a corrupção de funcionários

faltosos, quando os desvios não eram institucionais,

mas individuais.

O diretor da Divisão de Polícia Política e Social - DPPS,

entre os anos de 1964 e 65, era Cecil de Macedo Borer. Antes,

integrou o extinto quadro de inspetores de polícia política,

cargo em que exerceu por mais tempo as suas funções.

Como foi mostrado, essa investigação originou-se na DPPS, 

órgão reconhecido por sua idoneidade.


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