“José Gomes Pinheiro Machado nasceu em 8 de maio de 1851,
em Cruz Alta, Rio Grande do Sul. Era filho do Dr. Antônio
Gomes Pinheiro Machado e de Dona Maria Manuela de
Oliveira Ayres, ambos naturais de São Paulo.
Desde a adolescência, José Gomes deu inequívocas provas de seu
mais puro amor à Pátria. Aos 15 anos incompletos, aluno da
Escola Preparatória, anexa à Escola Militar da Corte, abandonou
seus estudos, sem consentimento das autoridades superiores
e, com o desconhecimento dos seus pais, alistou-se no legendário
Corpo de Voluntários da Pátria como soldado do 4.º Corpo de
Caçadores a Cavalo, na luta às hordas paraguaias que haviam
invadido o solo brasileiro. Durante quase três anos, suportou as
dificuldades de uma luta feroz em clima insalubre e retirou-se somente
quando o seu organismo em formação não pode resistir
por mais tempo aos miasmas pestíferos dos pântanos paraguaios.
Senador Pinheiro MachadoAfastado do serviço do Exército, matriculou-se na Academia
de Direito de São Paulo em 1874, época em que as ideias
republicanas empolgavam a mocidade acadêmica e a nacionalidade,
sendo de notar que se verificou esse acontecimento três
anos após o lançamento do Manifesto Republicano de 2 de dezembro
de 1870, no Rio de Janeiro, e alguns meses da fundação
do Partido Republicano Paulista.
Apaixonado pelo credo republicano, Pinheiro se tornou, desde
cedo, um dos mais ardorosos propagandistas do novo regime.
Fundou com outros estudantes, em julho de 1876, o
Clube Republicano Acadêmico e o jornal “A República”, do
qual foi redator.
Em 5 de agosto de 1876, contraiu núpcias com a paulistana
Benedita Brazilina da Silva e, em 5 de novembro de 1878, recebeu
o grau de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais.
‘’Depois de haver concluído com brilhantismo o seu tirocínio
acadêmico em São Paulo – diz Júlio de Castilhos – onde
honrou sempre o histórico renome riograndense, pelo talento,
pelo estudo e pela probidade de conduta pessoal’’, Pinheiro
Machado regressou à Imperial Província do Rio Grande do Sul,
prosseguindo com redobrado vigor na evangelização da ideia
democrática, fiel ao programa traçado pelos pró-homens do movimento
republicano.
Em São Luiz das Missões (atual São Luiz Gonzaga), onde
se fixou com banca de advocacia, fundou o primeiro Clube
Republicano do Rio Grande e foi o seu primeiro presidente. A
seguir, em 23 de fevereiro de 1882, com Venâncio Ayres, Júlio
de Castilhos, Demétrio Ribeiro, Alcides Lima, Apolinário Porto
Alegre, Ramiro Barcelos, Luiz Lesseigner, Assis Brasil e José
Pedro Alves, fundou o Partido Republicano Riograndense, que,
inesquecíveis e fulgurantes serviços prestou no combate ao regime
monárquico.
Os trabalhos desses incansáveis republicanos não se limitaram
somente ao campo das discussões doutrinárias, avançaram até
a coordenação de forças para uma ação mais enérgica que assegurasse
o pronto estabelecimento do regime que ora desfrutamos.
Neste particular, a figura de Pinheiro Machado sobressai
pela sua ação vigilante, ativa e desassombrada.
Proclamada a República e convocada a Constituinte, foi
eleito, por escolha e imposição do Partido Republicano
Riograndense, senador federal, cargo que exerceu até o seu trágico
desaparecimento.
No Governo de Floriano Peixoto, quando elementos conturbados
pelo ódio pretenderam aniquilar o regime vitorioso em 15
de novembro de 1889, desencadeando a Revolução Federalista,
Pinheiro Machado deixou a sua cadeira no Senado Federal e
atirou-se à luta em defesa dos sacrossantos ideais que, com ingentes
sacrifícios, conseguiu implantar no País. Fiel aos rumos
traçados na Carta de 24 de fevereiro de 1891, empenhou-se na
mais rude guerra fratricida que registra a história republicana.
Durante dois anos de luta árdua, nas agrestes coxilhas do sul,
sempre à frente da legendária Divisão do Norte por ele organizada,
deu as mais notáveis provas de bravura e de abnegação
em prol da legalidade.
O General Rodrigues Lima prestou valioso depoimento com respeito
à figura homérica de Pinheiro após a célebre batalha de
Inhanduí, afirmando:
‘’Quanto ao que fez o Senador Pinheiro Machado, limito-me a
dizer: ele personificou no momento o dever cívico. Sua atividade
desdobrou-se em todos os pontos da linha. Sua presença esteve em
toda parte. Sua palavra de entusiasmo, de animação e conforto foi
ouvida por todos. Seus exemplos foram seguidos pelos mais bravos’’.
Foi com justiça, pois, que o insigne Marechal Floriano, em
9 de maio de 1894, elevou esse bravo soldado da República
ao posto de General de brigada, “atendendo aos relevantes
serviços militares por ele prestados desde o começo da revolta
até hoje, no Rio Grande do Sul, já organizando forças, já as
levando a combate, com valor e proficiência de experimentado
Chefe”.
Graças à ação enérgica e persistente desse abnegado cidadão
soldado, coadjuvado pela ação patriótica de Júlio de Castilhos,
pôde o “Marechal de Ferro” consolidar a República Brasileira.
Partidário intransigente de uma política conservadora voltada
para a preservação do regime republicano, foi Pinheiro Machado
o baluarte com que sempre contaram os governos de Prudente
de Moraes, Campos Sales, Rodrigues Alves e Afonso Pena, na
defesa e manutenção da disciplina e da ordem legal.
No conturbado período presidencial do honrado Marechal
Hermes da Fonseca, melhor se fez sentir a ação vigilante e enérgica
do eminente chefe gaúcho em prol do respeito aos postulados
constitucionais, tornando-o, porém, alvo da mais agitada e
intensa campanha política dos anais republicanos.
Dentre os serviços prestados por Pinheiro Machado à causa
pública, cumpre assinalar ainda o que se refere à educação
cívica nacional. A fundação do PARTIDO REPUBLICANO
CONSERVADOR representa, sem dúvida, um dos primeiros
passos para ordenar num sentido nacional unitário a política
brasileira (o P.R.C. foi o primeiro partido político nacional, isto
é, com representação em todos os estados da federação).
Defensor da Constituição Federal e da pureza do regime, tombou
envolto na bandeira do P.R.C. que, para ele, era a própria
bandeira da República.
Do seu fervoroso amor à pátria e à República, adveio-lhe o inegável
prestígio pessoal que o tornou chefe supremo no cenário
político brasileiro.
A serena firmeza de suas atitudes, a nobreza de seus atos e a
sua abnegação pela causa pública projetaram no espaço o perfil
másculo de uma individualidade incomum nas páginas da
História Pátria.
A 8 de setembro de 1915, então Vice-Presidente do Senado
Federal, tombou vítima do traiçoeiro punhal de um assassino,
no saguão do Hotel dos Estrangeiros, no Rio de Janeiro, após intensa
campanha subversiva e personalíssima, promovida pelos
inimigos da República.”
O crime
Nos últimos anos do governo do Marechal Hermes da
Fonseca, a política local da cidade do Rio de Janeiro, na época,
Distrito Federal, com reduzida força no cenário nacional
passou a se caracterizar como forte oposição, exacerbando os
seus ataques críticos em que não faltavam passionalismo e as
inverdades. Realçavam, deste modo, a sua presença junto a
um público pouco informado e crédulo.
Alinhavam-se com essa corrente alguns órgãos da
Imprensa antigovernista, engordando as vendas de jornais
com esse estilo de desconstrução de personalidades respeitáveis,
valendo-se da interpretação distorcida dos fatos, quando
não manifestas mentiras.
O Senador Pinheiro Machado, um político do Estado
do Rio Grande do Sul, com liderança política nacional, quase
que inconteste pelo seu reconhecido valor e serviços prestados,
não era seguido por esses políticos da Capital ainda
em busca de espaço.
Chegou-se a considerar essa campanha oposicionista
odienta como a causa que armou a mão assassina do delinquente
Manso de Paiva para no dia 8 de setembro de 1915 procurar
o senador gaúcho no interior do Hotel dos Estrangeiros,
na Praça José de Alencar, onde fora almoçar com correligionários,
para apunhalá-lo pelas costas.
Registro de Ocorrência do abominável crimeNa parte diária de 8 para 9 de setembro de 1915, fls.
175V/176, do Livro de Ocorrências do 6º Distrito Policial,
Glória, o comissário de polícia Antônio Duarte Batista lançou
as seguintes informações que lhe chegaram ao conhecimento:
“Às 17 horas, por um telefonema anônimo, chegou ao meu conhecimento
que havia sido assassinado no interior do Hotel
dos Estrangeiros o General José Gomes Pinheiro Machado.
Comunicando-me, ato contínuo, com esse estabelecimento
foi-me confirmada essa notícia pelo telefonista. Acompanhando
o Dr. Delegado seguimos para o local. Ao transpormos a porta
desta Delegacia, vieram ao encontro do Dr. Delegado os
Guardas Civis nºs 418 e 12, de nomes, respectivamente, Carlos
de Oliveira Pimenta e Augusto Lunde Ferreira, os quais apresentaram
ao Delegado o indivíduo de nome Francisco Manso
de Paiva Coimbra, preso na Praça José de Alencar, acusado
como autor da morte do referido General, tendo sido nesse momento
também apresentada ao Dr. Delegado uma faca apreendida
em poder do acusado. Recolhido o acusado sob absoluta
incomunicabilidade, prosseguimos até o hotel em cujo saguão
estava estendido no chão o cadáver do referido General, apresentando
as vestes ensopadas de sangue, notadamente no peito
do lado esquerdo a altura do coração. Removido o corpo para
cima de uma mesa enquanto se esperava condução para ele, procedi
ao arrolamento das testemunhas as quais são: Deputados,
Antônio Manuel Bueno de Andrade e José Cardoso de Almeida
e o porteiro do hotel Guilherme Nuzmann. Em seguida, arrecadei
os seguintes objetos…
Identificação do acusado: é filho de Francisco de Paiva Coimbra
e de Maria de Jesus Coimbra, de cor branca, natural de Jaguarão
(Rio Grande do Sul), com 27 anos de idade, solteiro, padeiro,
morador à Rua Bento Lisboa n. 120, sabendo ler e escrever. Em
seu poder arrecadei os seguintes objetos...
Antônio Duarte Batista
Comissário de Polícia”
Infelizmente, o registro da ocorrência (R.O.) feito pelo
comissário de polícia, como depois se viu, foi a única formalidade
cumprida com regularidade durante a investigação
desse crime.
O preso assumiu a autoria do crime, negando a existência
de coparticipes e alegou como motivação o ódio político
que nutria pela vítima.
Toda a vida do acusado, suas rotinas, seus contatos e
fontes de recursos deveriam ter sido apurados com cuidado
pela polícia, até porque as ameaças de morte ao senador eram
frequentes e indicavam um desígnio anterior reiteradamente
manifestado. No entanto, o que se viu foi a pressa de encerrar
o caso em face da prisão em flagrante do criminoso confesso.
Ele possuía antecedentes criminais em vários estados,
estava desempregado, mas dispunha de dinheiro para
pagar o seu aluguel e manter uma amante espanhola com
quem era visto jantando em restaurantes. Frequentava o
prédio do Senado Federal onde mantinha relações com
altos funcionários da casa, sugerindo ligações de interesse
político.
O governo de Wenceslau Brás (Wenceslau Brás Pereira
Gomes, eleito pelo Partido Republicano Mineiro para o
quadriênio de 1914-1918) desviando-se da tradição das
administrações anteriores de escolher um respeitado jurista
para conduzir os destinos da Polícia Civil do Distrito
Federal, escolheu um modesto bacharel baiano Aurelino
Araújo Leal para este importante cargo da República. Antes,
Leal trabalhou em alguns jornais de Salvador e nomeado
promotor público não permaneceu muito tempo no cargo
do qual foi demitido em 1899. Eleito deputado estadual no
ano seguinte, não teve a eleição reconhecida. Em 1912, também
não satisfez as condições para assumir uma cadeira de
deputado federal. A falta de êxito político na sua terra natal
o levou para o Rio e à custa de fortes indicações chegou à
Polícia. Suspeita de promiscuidade com os contraventores
dos jogos de azar inspirou os compositores Ernesto Joaquim
Maria dos Santos, o “Donga” e Mario de Almeida a lançarem
em 1916 o samba “Pelo Telefone”. O desempenho do
cargo de Chefe de Polícia, entre 1914 e 1919, desfrutando
do prestígio dele decorrente, não foi suficiente para elevá-lo
ao Supremo Tribunal Federal como os seus predecessores,
mas a falta de estofo jurídico para compor o Pretório
Excelso não o privou de indicações futuras para o exercício
de diversos cargos de confiança, sempre dependentes de
bons conhecimentos.
Era, pois, o sr. Aurelino Leal o Chefe de Polícia no
momento trágico da morte do eminente brasileiro. A sua
atuação inadequada e até reprovável foi comentada pelo
deputado Flores da Cunha, auxiliar de acusação no processo
criminal a que respondia o assassino perante o tribunal
do júri:
“É tão revoltante e inaudito o procedimento da polícia do Sr.
Aurelino que, diante do escândalo, homens qualificados não trepidaram
em protestar contra tão inominável abuso.
A tal ponto chegou o escândalo, srs. Jurados, que o Sr. Dr.
Cardoso de Almeida (Deputado federal), revoltado, foi ao
Palácio da Presidência e ao Sr. Dr. Wenceslau Brás fazer sentir
que era ignominioso o que se vinha passando na polícia, na formação
do inquérito para apurar a responsabilidade de Manso
de Paiva Coimbra”.
O julgamento do criminoso“A Gazeta de Notícias, o Correio da Manhã e o Jornal do
Comércio, toda a Imprensa desta Capital, enfim, noticiou que,
três dias após o delito, o Chefe de Polícia determinou o encerramento
do inquérito. Sabendo disso, o Sr. Dr. Presidente da
República declarou-se contrário a esse encerramento, determinando
novas diligências por parte da polícia, de modo a ver se
mais alguma coisa apurava com relação a Manso Coimbra e ao
crime que ele vinha de praticar.”
“A Promotoria Pública, Srs. Jurados, ainda que veladamente,
manifestou-se de acordo com o que já anteriormente havia dito
o futuroso representante da Justiça Pública, Sr. Dr. Joaquim
Mafra de Laet, isto é, que o acusado não agiu só e que, ao contrário,
da sua confissão se depreendem circunstâncias outras
que não foram devidamente estudadas. A Promotoria Pública,
pois, embora veladamente, é de opinião que Manso de Paiva
teve sócios na empreitada maléfica que levou a termo no saguão
do Hotel dos Estrangeiros.”
Também não ficou explicado como um elemento marginalizado,
desempregado e contumaz vadio obteve recursos
para cercar-se de uma plêiade de conhecidos advogados em
sua defesa.
Em artifício protelatório, a defesa do acusado arguiu
a incapacidade jurídica da esposa do morto, a veneranda
senhora Benedita Brazilina Pinheiro Machado, para estabelecer
instrumento de procuração aos advogados, auxiliares
de acusação, por suposição, não ser legalmente casada
com o senador Pinheiro. Pouco se importaram de expor a sra.
Pinheiro Machado, heroína da Revolução Federalista, à condição
de manteúda ou amante até a juntada da certidão de
casamento oriunda da cidade de São Paulo.
Conclusão
Enfim, no inquérito policial em que se apurava o assassinato
do político mais importante do Brasil, um ato revestido de
criminosa desumanidade, um verdadeiro atentado contra a
democracia brasileira, sofrimento compartilhado por todos
aqueles cidadãos que reconheciam a presença de Pinheiro
Machado como necessária ao bem da República, o Chefe de
Polícia, com provável influência de espúrio partidarismo, não
só se eximiu de cumprir a sua obrigação de zelar pelo bom
andamento das investigações da polícia judiciária sob a sua
direção, mas ainda influenciou com a omissão os demais subordinados
a relaxarem a busca da verdade e identificação de
todos os envolvidos.
Um momento falho na história da nossa polícia judiciária
porque teve a direção entregue, de modo irresponsável, a
um candidato surgido do compadrio político e muito aquém
dos requisitos de competência para o exercício de tão relevante
missão.
Monumento na cidade do Rio de Janeiro - Ipanema, ao Senador Pinheiro MachadoA admiração e o apreço do povo, do parlamento e câmaras
municipais se manifestaram por todo o Brasil, onde em
cada cidade surgiu uma estátua, um busto ou um logradouro
público em homenagem ao grande brasileiro.
Poucos anos depois da sua morte, a estabilidade política
da jovem República para a qual tanto contribuiu a sua liderança
e força moral começou a ruir e a sucessão de levantes e
revoluções mudaram a política nacional.